Vergílio Alberto Vieira | O Leitor Irresponsável

1. O que é isso de ser um leitor irresponsável?
R- Ao contrário dos bandeirantes da teorização, que puseram a nu as fragilidades da crítica, levando-a a cair na teia do espírito crítico; e os modelos da função crítica a enredar-se nos fios do criticismo, a minha condição de leitor, assumida em anteriores edições: Os consentimentos do mundo, 1993; A sétima face do dado, 2000; As batalhas fingidas, 2013, responde, quanto mais não seja, pela “arte de desfrutar” qual o acolhimento da obra no panorama literário em que se inscreve; qual o ponto de vista estético, que lhe deu origem; qual o seu enquadramento nos protocolos de leitura da época, etc. Isto, é claro, evitando tornar-me refém, diria O’Neill: “dos aprumados artilheiros do bom senso”, falem eles do alto da cátedra, ou tão-só em nome da comenda que representam, publicitando o lit(e))rato de (s)ódio em que (se) dissolvem tendências de geração e de agentes promocionais.
 
2. Este livro dá-nos conta de muitas leituras. Que leituras são essas?
R- Os textos que, agora, são dados a conhecer em livro, depois de já terem passado, como diria Sena: a letra impressa no Jornal de Notícias e no Expresso (de 1988 a 1999), retomam o itinerário do (sub)scritor da rememoração e futuridade steinerianas, de que são exemplo: os recursos retóricos e de argumentação; os processos de análise; o alinhamento discursivo – decorrentes da escolha, do objecto crítico – em domínios tão diversos como a poesia, a narrativa, o ensaio, bem como em áreas não necessariamente de foro literário, por razões que se prendem exclusivamente com critérios de gosto estético e prazer textual, os mesmos, de resto, que fazem do leitor, como acerca da arte de ensinar observou Barthes: “predicado apaixonado pelo seu sujeito.” Assim não fosse, que sentido faria escrever sobre autores e obras tão imprevisíveis como as traduções da Bhagavad-Guitá, a Poesia antiga do Japão, a Lírica espanhola de tipo tradicional; ou sobre livros de Jorge Luis Borges, de Italo Calvino, de Graham Green; sobre as reflexões políticas de Lysander Spooner; sobre uma biografia de Jorge Semprúm; sobre A perpspectiva como forma simbólica de Erwin Panovsky; ou sobre os diários de Vergílio Ferreira?
 
3. Pensando no futuro, o que está a escrever neste momento: poesia, narrativa, ensaio?
R-Seguindo o conselho de Ezra Pound, velha raposa que, mussolinismo à parte, foi (e continua a ser a referência): nada promove o que escreve (ele dizia: o povo), a não ser a nossa conversa. Tendo aceite, porém, responder ao inquérito de Novos Livros, e a coberto de Bartleby que, afinal: escrevia-não-escrevendo, escrever é contrariar a morte do artista sem pactuar com o(s) consentimento(s) do mundo; ou talvez mesmo afrontar as “cousas de folgar” ,vindas dos cancioneiros de Rezende, e travestidas actualmente em: festivais, feiras do livro, concursos literários, prémios – actividades para cujo peditório já contribuí, generosamente, noutros tempos. Na actualidade, leio. Por um lado, pelo puro desejo de estar vivo (e de escrever sol, como diz o poeta de O grito claro); por outro, pela vontade de esclarecer que ofício é este, qual a sua génese. Como reconheceu Camus: “Não se explicam todas as coisas por uma só, mas por todas.” Ah, esquecia-me de dizer que passei o verão, com Pessanha, na foz do Cávado, ocasião para lhe pedir que me deixasse escrever uns versos com o título de Cleptopsydra.
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Vergílio Alberto Vieira
O Leitor Irresponsável
Crescente Branco