Vergílio Alberto Vieira: EX PO EX

1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro “EX PO EX”?
R-Admitindo que cada livro que se escreve é o reflexo (seria excessivo dizer brilho) de uma luz, que o antecede, todo o esforço criador deverá constituir aquela mais-valia, que permite ir além do risco do poeta se tornar apenas reprodutivo, incapaz, portanto, de contribuir para que o estro fundador transforme a projecção em imagem real, e o devir em retórica profunda. Assim sendo, há que fazer de cada livro, não mero capítulo da obra, mas activação de meios (linguagem, estilo, sentido ontológico, atenção crítica) que (e)levem o sujeito ao limite, quando não à fidelidade original, ao desejo de comprometer o que, para Ludwig Wittgenstein, se apresentava como qualidade de valor acrescentado ao processo de escrita, e pensamento.
 
2-Neste livro, assume uma aposta de carácter muito mais visual (e experimental) da sua poesia: razões para esta nova via de escrita?
R-Decorrido meio século sobre a edição de Na margem do silêncio (1971), livro de estreia, urge aferir se da experiência acumulada (à custa de tantos desaires quanto de desafios) será possível, não tirar proveito (isso seria obsceno, descambaria para a “pornografia da insignificância” tão cara a George Steiner), mas engenho para que o manuseio da lente (da lucidez poética) faça convergir o foco, a intensidade solar sobre a “ferida aberta” – na imagética de René Char – ao ponto de curar pelo fogo. Esta incursão nos domínios da poesia experimental, por um lado, e no campo da visualidade poética, por outro, não pretende, no que me diz respeito, outra coisa que não seja levar o concretismo, que lhes subjaz, a um patamar de complementarização (de enraizamento, de cosmopolitismo) decorrente dessa singularidade qualquer agambeniana que elege, como prova de vida, o arco de que a flecha é alvo ainda antes de o atingir. Arte inaugural, entre nós assinada por arqueiros de primeira escolha como E.M. de Melo e Castro, Ana Hatherly e José Alberto Marques, que insiste em provar ter sido quem, por cá, deu o tiro de partida do que seria a tão meritória, quanto subavaliada, olimpíada experimental da segunda metade do séc. XX.
 
3-Pensando no futuro: o que anda a escrever por estes dias?
R-Sem esperança de que o futuro se possa lembrar alguma vez de mim – não fosse Lisboa o país do “sem plò nem plu” aquela douta intelligentsia que passa pelo centenário do nascimento de Jorge de Sena como o gato pelas brasas – é chegada a hora de calar. De volta ao poeta de Abandono Vigiado (1960), direi nada, à chocarrice do meio artístico português, reconhecimento que nem sequer me entristece, nem me absolve de ter ajudado a enterrar duas vezes os obreiros da pátria, hoje vandalizada por ícones, continuamente abonados por aduladores de/ao serviço; como uma vez disse Raduán Nassar: despudoradamente “graduados no biscate”. Ah, mas a pergunta, se não me engano, ia noutra direcção, é isso? Para não insistir em chatear o frequentador de “Novos Livros”, e porque, quando de livros se fala, é quase sempre para chatear o indígena, informo o hypocrite lecteur que dei por finda a jornada com um título musiliano ajustado ao cair do pano: Ainda não e no entanto já – daqui em diante, talvez me reste dar como adquirida a lição do cínico, quando reconheceu que a saída era: agradar a uns, ladrar a outros, morder os maus.
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Vergílio Alberto Vieira
EX PO EX
Quarto Crescente