Vergílio Alberto Vieira: Cleptopsydra

1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro Cleptopsydra?
R-Tomando à letra o (pre)conceito de que não há poetas sem obra, é provável que este livro (des)Oriente os leitores de Camilo Pessanha, com a atenuante de que apenas acrescenta um ponto à edição de Todo o trabalho toda a pena (2016), título de recorte camoniano,  encontrado para servir de capa & espada aos livros por mim dados à estampa entre 1980 (A idade do fogo) e 2015 (Halo y tangência). Trocando a letra pelo espírito, poder-se-á dizer que Cleptopsydra não passa de expediente para fazer subir ao palco o fingidor – com direito a palco depois de cair o pano. Dito de outro modo, Pessanha teria boas razões para desdenhar que alguém o homenageasse: por um lado, re-escrevendo o livro que, à distância de um século, continua a ser obra maior da poesia portuguesa; por outro,  recorrendo a  qualquer tipo de louvação (comemorativa ou não) que, em nome da seriedade e da beleza de que Hamlet falava a Ofélia, sequer exaltasse o engenho da arte poética que lhe custou: “lágrimas sete vezes salgadas”. Nessa ordem de ideias, e porque a essencialidade de Clepsydra não deixou de ser nascente de que emana a água viva que anima o caminhante, é que me habilitei a demandar a obra de Pessanha, levando ao limite a transtextualidade, ou transcendência textual genettiana, referida no prefácio de Ernesto Rodrigues, sem perder de vista a tentativa de aportar ao Oriente em busca daquele Oriente de nós, que os aztecas descobriram, lendo o destino numa folha de figueira.
 
2-Qual a ideia que teve na origem este livro?
R-Lido na adolescência, altura em que, por tudo (e por nada) nos sangra o coração, Pessanha passou a ser alguém cujo rosto não pára de nos olhar, seja pelo facto de a Clepsydra ter nascido sob o signo da estrela que leva os poetas a ver a luz em “um país perdido”, seja por vir a tornar-se libro de arena de um poeta que, a bem dizer, nunca soube “nada” da sua poesia a não ser, como reconheceu Nemésio ”o que nela disse”. Por tudo isto, dar curso ao impulso criador desta Cleptopsydra – pre-texto textual já em Crescente Branco (2004) revisitado – não foi apenas insistir na redescoberta de Clepsydra com a intenção de decifrar que “indício claro” respondera, há um século, pelo homem e pela obra, mas interiorizar um outro modo de ler Pessanha, e qual a finalidade da errância do nómada, que fez de Macau o oriente de quantos orientes se procuram, colhendo amargamente a flor do ópio, em campo, não menos aberto que o dos Fuzilamentos de Goya.
 
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Em boa verdade, neste momento estou a assinar o livro de bordo do veleiro a que foi dado o nome de Novos Livros. A pensar no futuro, e atendendo a que o futuro é já amanhã, quando muito depois de amanhã, como anotou Iosif Brodskii (1940-1996), tenho vindo a reincidir na diarística, enquanto pela foz do Cávado vou sondando a possibilidade de vir a semear vento em terra alheia.
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Vergílio Alberto Vieira
Cleptopsydra
Crescente Branco