Vergílio Alberto Vieira: “A descida ao indeterminado”

[Fotografia: Rui Maio Sousa]
1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro “Rio de Insondáveis Águas”?

R-Conjugados os tempos e os modos, e atendendo a que a obra não é outra coisa senão o espaço da obra, direi que Rio de insondáveis águas, agora dado à estampa, se configura como “a descida ao indeterminado” de que a poesia se constitui “impossível morada”, e não mais do que isso, segundo o autor de Le livre à venir (1959), o que acontece, no meu caso, três anos depois de Caput mortuum, o inédito que fecha a publicação dos volumes Novos Trabalhos Novos Danos, poesia reunida em 2021, comemorativa dos 50 anos de edição. Acresce que, em se tratando de uma releitura poética de La Divina Commedia, Rio de insondáveis águas, conjunto de 35 sonetos, dividido em três capítulos: Cadenza perduta, Cadenza d’inganno, Cadenza perfetta, actualiza, dos pontos de vista histórico-literário e espácio-temporal, os estados d’alma depois da morte, com que Jorge Luis Borges leu criticamente Dante em Nueve Ensayos Dantescos (Editorial Espasa-Calpe, Madrid, 1982), à margem, como ele reconhece, do “artifício retórico” que, em regra, envolve o que devia ser “probidade” e “plenitude” do homem no mundo.

2-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R-Num tempo – Quem é o tempo?, perguntaria Comte-Sponville – em que parece estar na moda subtrair à arte (e à literatura, em particular) a essência da experimentação a favor do ornamental, “(…) da mera representação, das formalidades criadoras que privilegiam a “société du spetacle”, à grande e à francesa (…)”, será de crer que já não basta encontrar o caminho caminhando, mas há que pôr em prática, escrevendo poesia,  amar a poesia, de forma a que, como recomenda Henri Focillon, em Vie des Formes (1943): “O espírito faça a mão e a mão o espírito”, de preferência toda a vida. Pese embora a indiscrição, por não ser curial fazê-lo, permito-me transcrever esta passagem da leitura de Rio de insondáveis águas, assinada por Fernando Guimarães, poeta e ensaísta cuja atenção crítica tanto me tem ajudado a acertar o passo com a obra: “Falar com Dante é encontrar as insondáveis águas que servem de título ao livro. A profundidade, a transparência, a leveza também existe neste livro. Eles encontram um tempo que é passado e também presente porque diz esse passado.” Antonio Carlos Secchin, poeta e crítico brasileiro, por sua vez, escreve no prólogo: “Entre perdas e danos, sobra um fio de voz – ou soçobram os fios entremeados dos poemas, a tecerem, a tramarem, a canção da desesperança, pois não há barco ou abrigo frente ao fluxo das insondáveis águas que movem a existência humana.”

3-Pensando no futuro, o que está a escrever neste momento?
R-Eterno aprendiz de um ofício, de trevas cada vez mais, e em tudo idêntico ao que está a acontecer um pouco por toda a parte, tenho vindo a prosseguir a caminhada, escrevendo novas páginas de diário, depois de ter concluído em dezembro passado: “Um passo antes da morte”, sexto título, relativo aos anos de 2022-2023; faço-o, porém, ainda atraído pela miragem de que: “Um dia anotado será um dia preservado.”, mesmo que assim não seja. Quanto ao mais, concluí, recentemente, uma versão (livre) para português de Le Cineri di Gramsci, de Pasolini; e, finalmente, vencida uma resistência antiga, estou a reescrever, (sem rede): Minhas cartas nunca escritas (2012), certificado pelo sinete de Camões: “O trabalhador, cantando,/ O trabalho menos sente.”
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Vergílio Alberto Vieira
Rio de Insondáveis Águas
Rosmaninho-Editora de Arte  10€

Vergílio Alberto Vieira na “Novos Livros” | Entrevistas

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