Uma realidade que ainda é um tabu e se reveste de diversas crenças erradas

Qual a ideia que esteve na origem deste vosso livro “Podes Falar Comigo-Violência Sexual Contra Crianças”?
R-Trabalhamos há muitos anos na área da violência sexual com crianças e jovens, sendo que esta é uma realidade que ainda é um tabu e que se reveste de diversas crenças erradas, que importa desconstruir e clarificar. É também uma problemática que exige uma abordagem integrada, não apenas do ponto de vista da intervenção (após a ocorrência da violência) mas, sobretudo, numa lógica de prevenção primária (ou seja, agir antes da ocorrência do problema, de modo a tentar diminuir a probabilidade de ele vir a ocorrer).
Neste contexto, não apenas os pais e cuidadores, mas também profissionais de diversas áreas, expressam a necessidade de disporem de materiais práticos e objetivos que os ajudem a melhor conhecer a problemática da violência sexual, a saberem como a podem prevenir e, também, o que devem e não devem fazer face a uma suspeita ou revelação (como agir). Assim, surgiu a ideia deste livro, como um guia prático que pretende, de uma forma clara e acessível, contribuir para um aumento da literacia sobre este tema, ajudando a criar uma cultura de cuidado, proteção e segurança.
Destacamos ainda o contributo no livro de três profissionais da área do Direito (o Dr. Carlos Farinha, diretor nacional adjunto da Polícia Judiciária; o Dr. Ricardo Matos, procurador da República, e o Dr. David Silva Ramalho, advogado), que ajudam a clarificar o papel do sistema de justiça nesta área concreta, desmistificando também a ideia de que a sinalização às entidades competentes e o processo judicial será necessariamente negativo e traumático para as vítimas.
O livro “Podes falar comigo” é complementado com um livro para crianças em idade pré-escolar – “Julieta, a tartaruga que perdeu a carapaça”, que, de uma forma muito simples e apelativa, aborda os temas da proteção do corpo, limites, segredos, emoções e como pedir ajuda. Esta história permite-nos também compreender que a prevenção da violência sexual não significa falar de sexo, mas sim de cuidado e proteção.

2-Como referem, uma parte substancial deste tipo de violência ocorre num círculo de confiança e proximidade das vítimas: com o agora habitual acesso a redes sociais desde muito cedo, os riscos também estão a aumentar?
R-De acordo com os dados conhecidos, não apenas em Portugal, mas também no resto do mundo, a maior parte das situações de violência sexual ocorre num contexto familiar e de proximidade da criança – ou seja, não apenas na família, mas também por pessoas que a criança conhece e em quem confia, e com quem convive em diversos contextos (p. ex., a escola, as atividades extracurriculares, o desporto, a Igreja). Significa isto que as situações sexualmente abusivas que são perpetradas por pessoas estranhas são mais escassas e ocorrem, sobretudo, no mundo digital, com adultos que se fazem passar por crianças ou jovens, aliciando-os para interações de natureza sexual (por exemplo, a partilha de conteúdos sexuais auto-gerados, a marcação de encontros presenciais).
Com o acesso, cada vez mais precoce, das crianças ao mundo online (com especial destaque para os videojogos e as redes sociais), estas acabam por ficar mais expostas a várias situações que podem envolver algum risco ou perigo. Assim, compete aos adultos, por um lado, monitorizar e supervisionar desde logo a forma como a criança navega na Internet, garantindo que apenas tem acesso a conteúdos adequados para a sua idade e maturidade e, por outro, informar e dotar a criança de algumas ferramentas que lhe permitam reconhecer uma eventual situação abusiva, saber como reagir e como e a quem revelar. Sublinhamos ainda que, mais do que nos focarmos apenas nas situações de risco ou perigo, devemos adotar um discurso positivo e construtivo sobre a utilização da Internet em segurança e, acima de tudo, mostrar-nos disponíveis para conversar com a criança sobre qualquer assunto que deseje, escutando-a de forma ativa e empática. É no contexto de uma relação de transparência, proximidade e confiança que as crianças e jovens abordam os assuntos e os temas que mais os preocupam, pelo que compete aos adultos criar e manter estes canais de comunicação abertos.

3-Como cidadãos (pais, educadores, vizinhos, etc.) podemos contribuir para prevenir este tipo de agressões?
R-A prevenção da violência sexual compete a todos nós, o que significa que são os adultos, de uma forma geral,  que têm a responsabilidade em criar ambientes de cuidado e proteção e em manter as crianças seguras. É ainda importante que os adultos cultivem relações saudáveis, pautadas pelo respeito, e que estejam atentos a quaisquer sinais de alerta, que possam indicar uma alteração no funcionamento habitual da criança. Ao mesmo tempo, os adultos devem envolver as crianças e jovens em programas preventivos, ou seja, devemos dar-lhes informação (ajustada à sua idade e nível de desenvolvimento) e ajudá-las a desenvolver competências para que saibam reconhecer, reagir e revelar uma eventual situação abusiva. Isto não significa que se utilize linguagem sexualmente explícita, de todo, na medida em que os temas abordados são, de uma forma geral, o corpo e a privacidade, os segredos seguros e inseguros, as emoções, os diversos tipos de toques, a comunicação assertiva e o pedir ajuda. Destacamos que estas abordagens preventivas junto das crianças e jovens não devem ocorrer de uma forma pontual e isolada, mas sim de um modo continuado ao longo do tempo, permitindo, não apenas sensibilizar e informar sobre o tema mas, também,  desenvolver competências para saber lidar com o mesmo.
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Rute Agulhas/Jorge neo Costa
Podes Falar Comigo-Violência Sexual Contra Crianças
Manuscrito  13,90€

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