Um livro sobre coragem e sobre o tempo que sempre passa
CRÓNICA
| RUI MIGUEL ROCHA
Estou a adorar esta nova fase de King, cheia de mulheres fortes, homens com dúvidas e a América toda vista de fora com piscadelas de olho à actualidade. Abandonando o terror mas sabendo que o terror está também dentro de cada um de nós. Tudo começou na trilogia de Sr. Mercedes, e agora continua numa história violenta e delicada onde se encontram duas ou três narrativas com o passado e o presente a entrecruzarem-se com mestria. Desde os parques de caravanas, à loucura da guerra no Iraque, desde as casas de acolhimento às armas e às violações colectivas muitas vezes deixadas sem castigo – não é o caso, claro. Mas tudo com a delicadeza de uma mão certa e experiente.
Muitas dicas sobre escrever ou não escrever “Billy não precisa de tomar nota. Escrever coisas pode ser perigoso.” E é um bicho do buraco “gosta de pessoas e gosta de as manter a uma certa distância.” Como o compreendo. Billy só mata más pessoas, apesar de se considerar a si próprio má pessoa.
E a escrita sempre, o seu respeito pela arte de contar: “Escrever é bom. Sempre desejou fazê-lo e agora fá-lo. Isso é bom. Mas quem podia imaginar que doía tanto?” Ou “Segundo William Wordsworth, os melhores textos têm a sua origem nas emoções fortes rememoradas na tranquilidade. Billy perdeu a tranquilidade.”
Mas também o que se aprende sobre as pessoas “não há só 2 tipos de pessoas, boas e más, como pensava quando era miúdo e tirava da televisão quase todas as ideias como o comportamento das pessoas. Há 3 tipos. O terceiro tipo de pessoas segue a corrente…Esse é o tipo de pessoas que mais abunda no mundo e acho que são pessoas cinzentas. Não fazem mal aos outros (pelo menos intencionalmente), mas também não ajudam muito.”
E algumas lições de vida “quando se está num sítio onde não se deve estar, é preciso agir-se como se se estivesse em casa.” Ou “Quando as coisas correm mal, não perdem tempo.” E ainda “Nunca percas a oportunidade de mijar antes de um tiroteio.”
É um livro sobre coragem e sobre o tempo que sempre passa e nos desobriga de fazermos algo pela nossa vida, o que, nada paradoxalmente, leva à perda dos dias e ao esquecimento.
Um livro atravessa todo este: Thérèse Raquin de Émile Zola.
Fecho o livro e dirijo-me para a estante da letra Z.
Obrigado, Stephen.
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Stephen King
Billy Summers
Bertrand 22,20€