Thomas Fischer: “Queríamos mudar o mundo”

O alemão Thomas Fischer era um jovem sonhador que, aos 19 anos, quis ver a revolução acontecer ao vivo sendo parte integrante e testemunha do processo iniciado com a revolução de 25 de Abril de 1974. Foi como jornalista que escreveu sobre Portugal na sua qualidade correspondente de meios de comunicação social estrangeiros. No livro que acaba de publicar procura “substituir o olhar «de cima» através do qual Portugal é muitas vezes visto lá fora pelo olhar «de dentro», o que pode fazer a diferença entre julgar e compreender”.
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P-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro “Entre Cravos e Cardos”?
R-Como correspondente estrangeiro em Portugal, escrevi ao longo de 40 anos sobre Portugal para um público estrangeiro. Ao fim de tantos anos, achei que podia partilhar as minhas impressões com pessoas cá dentro. Quero transmitir a ideia de que algumas dificuldades poderiam pesar menos se houvesse mais espírito coletivo «yes, we can», e quero destacar muitas coisas positivas que Portugal tem, mas que muitas vezes são desvalorizadas cá dentro, a começar pelas pessoas. Acredito que Portugal podia ser um país diferente se houvesse estruturas menos hierárquicas, menos submissão aos Senhores Doutores e mais motivação.

P-Como foi para si viver a revolução do 25 de Abril de 1974?
R- Eu tinha 19 anos e estudava em Colónia, na Alemanha Federal. Fazia parte de uma geração com sonhos, queríamos mudar o mundo, íamos a manifestações contra a guerra no Vietname, ficámos chocados com o golpe no Chile no 11 de setembro de 1973 e queríamos ver cair as três ditaduras no Sul da Europa, em Espanha, na Grécia e em Portugal. A forma como caiu a ditadura em Portugal, num ambiente festivo, com flores e canções, não podia deixar de nos fascinar e dar uma enorme esperança.

P-Agora, 50 anos depois, que balanço faz face às suas expectativas iniciais?
R-Não posso deixar de destacar os progressos que Portugal fez nestes 50 anos, conquistou-se a liberdade, deram-se saltos enormes na saúde e na educação, temos uma criação cultural diversa e rica. Claro que eu, como muita gente de cá, tive ilusões e depois desilusões, por exemplo, com as enormes desigualdades sociais: ainda há tanta pobreza, enquanto para certas pessoas com os amigos certos o dinheiro cai do céu. Não se compreende que, 38 anos após a adesão à atual União Europeia, ainda tenhamos um salário mínimo de 820 euros. Vemos tantos estrangeiros a descobrir Portugal, onde muitos portugueses têm cada vez mais dificuldade em encontrar o seu lugar. Preocupa-me naturalmente a ascensão da extrema-direita e as tentativas se desvalorizar Abril em geral.

P-Considera-se uma testemunha isenta dos tempos conturbados do PREC?
R-Admito que quando visitei Portugal pela primeira vez no chamado verão quente de 1975, era difícil ficar propriamente indiferente no meio de um ambiente marcado pelo entusiasmo. Nós pensávamos que aqui se criaria algo de novo, e havia lá fora o medo que houvesse alguma intervenção externa transformando Portugal num segundo Chile. Não sei se houve mesmo observadores isentos na altura, já que o 25 de Abril mexia com tanta gente em tantos lugares do mundo. Mas após tantos anos, as minhas opiniões pessoais não me devem impedir de cumprir os meus deveres profissionais de isenção.

P-Considera que teve uma visão muito diferente por ser estrangeiro?
R-Naturalizei-me português, mas a minha visão continua muitas vezes a ser diferente. O mesmo acontece com emigrantes lá fora, que não deixarão de comparar o que vivem nos países de acolhimento com a realidade em Portugal. Agora, a minha visão de Portugal resulta também de um convívio diário com pessoas de cá, já que nunca me isolei em comunidades de chamados «expats», que falam inglês ou alemão entre si e às vezes nem sequer aprendem português. O importante para mim é substituir o olhar «de cima» através do qual Portugal é muitas vezes visto lá fora pelo olhar «de dentro», o que pode fazer a diferença entre julgar e compreender.

P-De certa forma, adoptou Portugal como segunda pátria. A sua vida teria sido completamente diferente se não tivesse viajado para Portugal em 1975?
R-Sem dúvida! Não me teria apaixonado pelo País, não teria conhecido a mãe da minha filha e do meu filho, jovens com dupla nacionalidade e oportunidades com as quais as gerações anteriores só podiam sonhar. Não teria andado ao longo de 40 anos empenhado em transmitir uma imagem equilibrada de Portugal lá fora. Por ter ficado em Portugal, perdi oportunidades de trabalho e carreira, mas ganhei uma visão mais profunda e mais completa do país, e espero que este livro reflita esta vivência.
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Thomas Fischer
Entre Cravos e Cardos
Edições 70   22,90€

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