Teolinda Gersão, 40 anos depois: “Estou sempre a recomeçar”
P–No momento em que se assinalam os 40 anos da sua vida literária, o que representa, no contexto da sua obra, o livro “O Regresso de Júlia Mann a Paraty”?
R-É um livro em muitos aspectos diferente dos outros, o que me agrada. Estou sempre a recomeçar, como se cada livro fosse o primeiro, embora haja uma coerência interna muito forte em tudo o que tenho escrito.
P-Qual a ideia que esteve na base destas três novelas?
R-Iluminar a figura de Júlia Mann, mãe brasileira de Thomas e de Heinrich Mann, uma mulher extraordinária, que morreu em 1923 mas viveu corajosamente muito à frente do seu tempo, sem desistir de ser ela própria, e pagou por isso um alto preço.
P-Que balanço faz destes 40 anos, muitos livros e vários prémios?
R-Desengane-se quem julgar que as carreiras artísticas não são duras e cheias de espinhos. Nunca nada está garantido, estamos sozinhos e sem rede. Se não houver uma certeza interior muito forte e capacidade de relativizar, podemos ficar demasiado vulneráveis. Exemplos de escritores suicidas não faltam … Há algum tempo um amigo preocupado enviou-me um artigo sobre isso. Mas sempre me senti suficientemente forte. A literatura é sem dúvida para mim um aspecto central, mas há muito mais do que literatura na minha vida: as pessoas que amo, a sociedade, o país e o mundo de que faço parte. A consciência disso e o compromisso social são securitários. Cada um de nós é sempre muito relativo e pouco importa. Darei sempre o meu melhor, e depois desapareço e os livros seguirão o seu caminho. Se, ou enquanto, sobreviverem.
P-Um escritor não costuma ter filhos e enteados mas, permita que lhe pergunte: dos que até agora publicou, qual o seu livro preferido?
R-É como diz, não tenho filhos e enteados, os livros são todos “filhos”… Cada um surgiu num determinado momento, em circunstâncias específicas, e dei-lhe o melhor de mim, como sempre faço.Foi o livro certo, de cada vez. É assim que continuo a considerá-los…
P-Tem uma ideia de quem são os seus leitores?
R-Suponho que serão muito variados, com interesses e características diversas, mas na verdade não faço a menor ideia, é um assunto em que nunca penso. Acredito que os livros encontram por si os seus leitores, haverá alguém que se identifica com eles e com as personagens, ou algumas delas, e os torna “seus”. É o acontece aliás comigo, enquanto leitora. E acredito que acontece a toda a gente…
P-Se pudesse, qual seria a obra de outro autor que, pela sua qualidade e originalidade, gostaria de ter escrito?
R- Gostaria de ter escrito muitos desses livros … Não seria de certeza o Ulisses de Joyce, nem o seu Finnigan´s Wake. Mas poderia ser, por exemplo, qualquer um de Tolstoi. Ou a Madame Bovary de Flaubert.
P-O que anda a ler por estes dias?
R-Estou a reler Borges, que aliás não é um dos “meus” escritores. E o livro de Alberto Manguel, Com Borges. É também é um modo de agradecer a este escritor ainda vivo a oferta preciosa da sua biblioteca a Lisboa. Com os meios tecnológicos de hoje, ela vai ficar, felizmente, disponível para o mundo. Mas fico-lhe imensamente grata pela escolha de Lisboa como o seu lugar físico. É uma honra e um privilégio para todos nós.
P-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Um novo livro, claro. Ainda não sei o título, nem que forma tomará, mas o processo já começou, e só terminará quando tudo ficar muito claro e transparente, dentro e fora de mim, e puder ser partilhado com quem o quiser ler.
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Teolinda Gersão
O Regresso de Júlia Mann a Paraty
Porto Editora 15,50€