Luís Cunha: “Taiwan é o capítulo inacabado da guerra civil chinesa e uma herança da Guerra Fria”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu ensaio “Taiwan – Paz e Guerra na Ásia?
RA evolução da denominada “questão de Taiwan”, pela sua complexidade e relevância no âmbito das Relações Internacionais, esteve sempre no centro dos meus interesses enquanto investigador e académico na área da Ásia-Pacífico. Foi, aliás, tema da minha tese de mestrado – a primeira em Portugal sobre o tema. Volvido um longo período e tendo por pano de fundo acrescente tensão geopolítica relacionada com Taiwan e os atores políticos envolvidos, julguei oportuno retomar o tema num ensaio destinado ao grande público. O facto mais relevante prende-se com a postura cada vez mais agressiva da China, que nunca renunciou ao possível exercício da força armada para concluir a almejada “reunificação da pátria”, faltando para o efeito a resolução da questão de Taiwan à luz do princípio “um país, dois sistemas”, já aplicado em Hong Kong e Macau. Os exercícios militares por parte da China, ensaiando um cerco a Taiwan ou mesmo uma invasão, são cada vez mais frequentes, envolvendo fogo real e significativos meios aeronavais. Xi Jinping já fez saber que a “questão de Taiwan” não pode ficar por resolver para as gerações futuras. A contagem decrescente terá começado. Resta saber o desfecho vai ser pacífico.

2-No contexto muito complexo que estamos a viver a nível mundial, como podemos ler a situação de Taiwan tendo por referência os seus antecedentes históricos?
R-A chamada “questão de Taiwan” é o capítulo inacabado da guerra civil chinesa e uma herança da Guerra Fria. A República Popular da China invoca argumentos históricos para reivindicar a soberania em Taiwan, embora nunca tenha exercido jurisdição sobre a ilha desde a sua fundação em 1949. Desde essa data, quando Chiang Kai-shek fugiu para a ilha com o que restava do exército nacionalista, que a população da ilha desfruta de uma independência de facto mas não de jure. O sistema político beneficia de uma democracia consolidada e vibrante. Contudo, asituação actual é relativamente precária, uma vez que o governo da ilha e a respectiva população (24 milhões) depende da protecção quase exclusiva dos EUA, especialmente na área da cooperação militar. A aliança entre a China e a Rússia e as respectivas investidas revisionistas deram a Taiwan uma renovada importância estratégica, não somente pela sua relevância geográfica mas também por assumir a liderança mundial do crucial sector dos semicondutores. A invasão da Ucrânia por parte da Rússia despertou as autoridades de Taiwan de uma certa dormência, alertando-as para a possibilidade de um cenário semelhante em versão chinesa.

3-Pensando no futuro: do seu ponto de vista, qual poderá ser a evolução para um conflito?
R-Taiwan é considerado pelos EUA e China o ponto mais crítico das relações bilaterais. Vivemos a época do regresso das guerras entre Estados e o cenário de um conflito em Taiwan poderia, em tese, implicar uma guerra opondo as duas maiores potências militares do mundo, ambas com poder nuclear. Pequim recorre a uma dupla via: insiste na atração da população de Taiwan pela via das oportunidades da economia chinesa ao mesmo tempo que recorre a ticashibridas de intimidação e manobras militares. Se a China optar pela via não pacífica em Taiwan, tudo dependerá da reacção americana. É conhecida a aversão do presidente Trump a intervenções militares. Mas se os EUA não acorressem a auxiliar militarmente Taiwan, ficaria aberto o caminho para a hegemonia chinesa. O prestígio dos EUA e a arquitectura de segurança erguida na Ásia-Pacífico ficaria definitivamente comprometida. A consolidação de um mundo sinocêntrico poderia ser uma realidade.
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Luís Cunha
Taiwan: Paz e Guerra na Ásia
Edições 70   22,90€

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