Stefan Zweig: Erasmo como primeiro europeu

CRÓNICA
| agostinho Sousa

Este livro retrata a biografia de um homem ímpar, que viveu uma época muito conturbada, política e religiosamente, e serve de pretexto a uma narrativa histórica dos acontecimentos no interior da Igreja Católica. É o tempo da contestação ao desvario da Curia no Vaticano e do surgimento, entre outros, de Martinho Lutero e das consequências trágicas das suas posições intransigentes que motivaram guerras entre fações e entre países europeus.
Erasmo, como grande pensador, foi o precursor dessa contestação aos hábitos menos consentâneos do Papa e dos seus súbditos para com a doutrina da Igreja, mas sempre com uma atitude de pacificação, mediadora e humanista, ao contrário de Lutero, lutador abnegado contra a manutenção de certos privilégios do Vaticano que, mesmo relegado para segundo plano pela sua hierarquia dada a sua posição de monge, manteve uma combatividade e uma persistência que irão transformar por completo a religião cristã e a cultura europeia.
Erasmo, muito antes do protagonismo de Lutero, foi figura de destaque junto de poderosos, tendo sido cobiçado por monarcas, membros do clero em geral e até pelo próprio Papa. Ele é apresentado como um homem livre, cuja liberdade não lhe permite comprometer-se com ninguém, tanto em contendas como na possibilidade de auferir presentes ou privilégios que sempre recusou.
Essa postura de homem livre, talvez um pouco acomodado ou receoso, terá contribuído para o seu gradual afastamento junto de poderosos, deixando escapar duas extraordinárias oportunidades para poder participar e influenciar de viva voz encontros de conciliação, entre as partes desavindas, promovidos pelo Imperador Carlos V da Alemanha. Quem sabe se a sua presença não teria conseguido uma outra solução para a Igreja Católica que não passasse pelo seu fracionamento.
«Erasmo foi a luz do seu século mas outros foram a sua força; ele iluminou o caminho, mas foram outros os que souberam segui-lo, enquanto ele próprio, como sempre fonte de luz, permaneceu na sombra. Mas aquele que mostra novos caminhos não é menos digno de ser honrado do que aquele que primeiro os percorre: aqueles que os abrem na obscuridade, também eles cumpriram a tarefa.»
Morre aos setenta anos, depois de um périplo por diversas cidades, poupando-se a guerras, perseguições e à peste que grassava na Europa.
O livro tem uma escrita limpa, muito rica, densa e cativante, de um autor maior, com pormenores de um conhecimento e enquadramento histórico importantes. Enfim, é um grande livro apesar de se ler num par de horas, sobre um biografado especial, de vida plena, numa época abundante em acontecimentos e um testemunho muito interessante e particular por ter sido escrito nos anos 30 do século passado, também um período conturbado entre duas grandes guerras.
Em conclusão «Erasmo é único intelectual da sua geração que se manteve fiel à humanidade, mais do que a um clã. Longe dos campos de batalha, não pertencendo a qualquer exército, atacado por todos, morreu solitário, abandonado, mas, aspecto essencial, livre e independente.»

Espinho, 06 de janeiro de 2022

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Stefan Zweig
Triunfo e tragédia de Erasmo de Roterdão
Assírio & Alvim  16,60€

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