Stefan Zweig e a história que podia ser citada num parágrafo

CRÓNICA
|agostinho sousa

Eis um conto que prendeu este leitor num par de horas ininterruptas.
A história podia ser contada num parágrafo, pouco longo, mas não o vou fazer. A ideia e a forma como é (d)escrita, o seu enredo e aquilo que nos leva a pensar, ao longo e depois do livro, são notáveis.
O autor é nome máximo da literatura e, este conto, não deixa de o refletir. Da badana pode ler-se: “Betsy e o marido, reformados, vivem tranquilos numa pacata propriedade junto a Bath. Até que um dia o jovem casal Limpley decide comprar a casa ao lado. Enquanto John é enérgico, Ellen mostra-se recatada, mas a dinâmica do casal mudará para sempre quando os vizinhos decidem oferecer-lhes Ponto, um cachorro aparentemente inofensivo. A devoção fanática de John para com o cão terá consequências nefastas e imprevisíveis. Com a sua habitual mestria Stefan Zweig constrói uma densa narrativa de relações de poder, colocando sub-repticiamente a questão: será que a ascensão de um ditador é causada pela nossa inação?”
O início do livro dá-nos a pista, pela voz de uma das personagens, do principal suspeito de algo terrível que acontecerá quase no fim:
“No que me toca, é como se estivesse certa de que é ele o assassino, mas falta-me a prova derradeira, a prova irrevogável. «Betsy», diz-me sempre o meu marido, «tu és uma mulher inteligente, tu és rápida e perspicaz a observar, mas deixas-te desencaminhar pelo teu temperamento e amiúde precipitas-te nos teus julgamentos.» No fim de contas, o meu marido conhece-me há trinta e dois anos e talvez, até mesmo provavelmente, tem razão na sua admoestação. Portanto, tenho de me forçar violentamente, por me faltar esta prova derradeira, a reprimir a minha suspeita ante todos os outros. Mas, sempre que deparo com ele e este avança respeitável e amistoso na minha direção, o meu coração para. E uma voz interior diz-me: foi ele, e apenas ele, o assassino.”
Ao longo das páginas há factos que induzem a certezas, claramente palpáveis, ao alcance do leitor, mas a vontade de verificar aquilo que se suspeita é maior do que qualquer evidência. Quiçá a dúvida reste como certeza final.
As personagens são bem e sucintamente caracterizadas, numa escrita que tem tudo o que é necessário e sem qualquer desperdício. É um trabalho notável!
E mais é proibido escrever, pelo risco de desvendar algo que dissipe o prazer que este pequeno-grande livro proporciona. Recomendável.
Espinho, 10/06/2023
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Stefan Zweig
Foi ele?
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