Stefan Zweig: Montaigne

CRÓNICA
| agostinho sousa

É uma redundância valorizar a escrita de Stefan Zweig e tal é evidente neste livro que, apesar de se ler num par de horas, solicita releituras, pois a sua síntese deixa-nos a matutar sobre qual o verdadeiro valor de um Homem em função dos seus atos, apoiando-se numa figura ímpar de um pensador extraordinário: Montaigne.
Este homem apesar de ter sido “obrigado a viver numa época em que a guerra, a violência e a tirania das ideologias ameaçavam o futuro de cada um e, nela, a sua essência mais preciosa, a liberdade individual, sabe quanta coragem, retidão e energia são precisas para se manter fiel ao seu eu mais profundo e nada no mundo é mais difícil e problemático do que manter imaculada a sua independência espiritual e moral.”
A vida de Montaigne é rica e diversificada. Nasce privilegiado e nobre, num castelo de família com vivências únicas: “todos os dias Michel Montaigne era despertado, no seu leito de criança, com música. Tocadores de flauta, virtuosos do violino, esperam, à volta da cama de Michel, que lhe seja dado o sinal de o conduzir, para uma doce melodia, do sono para a vigília – este delicado costume é observado com o mais rigoroso cuidado «e, em toda a minha vida, tive sempre quem o praticasse», refere Montaigne.
Usufrui de um “ensino personalizado ao mais alto grau, que não proíbe nada ao aluno e deixa o caminho livre a todas as suas inclinações”, e isso será fundamental nas suas atitudes de homem livre e ser pensante. Mas esse idílio não será duradouro. Após a sua formação em direito exerce magistratura, enveredando pela escrita das suas reflexões que darão origem, mais tarde, aos conhecidos “Ensaios”, vivendo num período conturbado da França, em tempo de guerras religiosas que assolaram a sua região, entre católicos e protestantes. É certo que usufrui de honrarias e viaja pela Europa, torna-se íntimo de reis e príncipes, mas luta, acima de tudo, por se manter um livre-pensador.
“Montaigne não rejeita tudo o que devemos às paixões e às ambições. Pelo contrário, aconselha-nos sempre a desfrutá-las, tanto quanto possível, porque ele é um homem terreno que não conhece limitações: aquele que se apaixona pela política, deve fazer política, quem ama os livros deve ler livros, quem gosta de caça deve caçar, quem ama a casa, os bens, a terra, o dinheiro, quem ama as coisas deve consagrar-se a elas. Mas, para ele, o que é mais importante é isto: «deve possuir-se o que nos é agradável e não nos deixarmos tomar pelas coisas» […] É preciso ponderar incessantemente o valor das coisas e não as sobrestimar; é preciso parar quando o prazer acaba. É preciso manter o espírito lúcido, não se comprometer e tornar-se escravo, é preciso ser-se livre.
Este é também um livro de reflexões, onde se misturam as do autor, na vida e obra do personagem retratado, com reflexões deste e de outros: “«Para compreender melhor, de cabeça fria, o que tinham de estranho e absurdo, comecei a passá-las para papel. “A alma que não tem objetivos, perde-se”. “Quem quer estar em todo o sítio, não está em sítio nenhum”. “Só podemos aproveitar os ventos se soubermos para onde vamos”, disse Séneca»”.
É difícil resistir a mais uma transcrição que demonstra as qualidades deste livro e do filósofo retratado: “Alguns meses mais tarde, o rei [de França, Henrique IV, de quem Montaigne foi amigo e conselheiro e se esperaria que fosse a correr para a corte deste] escreve ao seu antigo conselheiro num tom menos caloroso para o atrair à Corte e parece que lhe faz também propostas financeiras. Mas se Montaigne está pouco disposto a servir, está menos disposto a que pensem que se vende. Orgulhosamente, escreve ao rei: «Eu nunca recebi quaisquer vantagens materiais de reis, muito menos recompensas que nunca pretendi nem mereci e muito menos qualquer pagamento pelos passos que dei ao serviço de Vossa Majestade… eu sou, Sir, tão rico quanto desejo.» Sabe que teve êxito naquilo que Platão disse uma vez, que não há nada mais difícil no mundo do que deixar a vida pública de mãos limpas.
Mais uma reflexão sobre os dias que correm.
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Stefan Zweig
Montaigne
Assírio e Alvim  13,30€

Espinho, 15/05/21

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