Sónia Simões: “Condensar num livro todo o caminho que a Igreja católica portuguesa percorreu”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro «Em Nome do Pai. Abusos Sexuais na Igreja em Portugal»?
R-Ao fim de quatro anos a trabalhar neste tema para o jornal Observador e no ano em que ficámos a conhecer o relatório da Comissão Independente, considerei que era o momento de condensar num livro todo o caminho que a Igreja católica portuguesa percorreu até chegar aqui. Como em duas décadas tantos países estudaram este tema – e se descobriu como os crimes de abuso sexual praticados por membros do clero eram ocultados e resolvidos entre muros -, e em Portugal se considerava que não havia casos suficientes para fazer um estudo sobre a matéria. Este estudo veio mostrar que a realidade em território nacional era igual aquela que hoje o Papa Francisco tenta erradicar.

2-Após a sua investigação jornalística e num processo complexo como este, que novos dados relevantes podemos encontrar no livro?
R-É muito diferente escrever para um meio de comunicação social ou escrever um livro. Nos media, mesmo que hoje seja possível pesquisar tudo online, o fio condutor das notícias vai-se perdendo. Às tantas, tanta informação causa mesmo ruído e provoca o efeito contrário no público: cansaço, vontade de não saber mais. Neste livro procurei, através da quantidade de material que tinha recolhido no terreno, nos tribunais, junto de fontes, arrumar os vários lados deste problema: o das vítimas, o dos agressores, o da justiça civil, tantas vezes esquecida pela justiça canónica, uma análise do que outros países fizeram e que podem inspirar a Igreja em Portugal. Espero que este livro sirva a qualquer leitor que queira compreender o que está em causa. Mas também que sirva de instrumento de trabalho à própria Igreja e a outras entidades, como as próprias autoridades judiciárias ou até as associações que se dedicam a apoiar estas vítimas e/ou agressores.

3-Como interpreta a situação e a posição da igreja católica portuguesa em todo o processo
R-Considero que em Portugal a Igreja católica levou algum tempo a reagir e a acreditar que por cá também aconteciam crimes hediondos praticados por membros do clero, tal como em todo o mundo. Os problemas que o papa Francisco encontrou, como a ocultação deste tipo de crimes das hierarquias, a proteção destes agressores, a desvalorização dos depoimentos das vítimas, o clericalismo e o abuso de poder também existiram em Portugal. E apesar de o papa ter promovido uma cimeira em Roma em 2019 para sensibilizar todos os líderes católicos para esta realidade, só se estudou o tema em 2022 e por pressão de um grupo católicos depois da publicação do relatório francês. A Igreja vai a tempo de recuperar este tempo, mas parece-me que está ainda muito dividida e isso é um entrave para medidas estruturantes que são necessárias para que a Igreja se adapte e previna estes crimes.
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Sónia Simões
Em Nome do Pai. Abusos Sexuais na Igreja em Portugal
Oficina do Livro  18€

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