Sepúlveda, para nostálgicos e sonhadores
Luis Sepúlveda tem a rara capacidade de nos deixar simultaneamente nostálgicos e esperançosos: ao recordar-nos sonhos passados, acorda-nos desta dormência quotidiana em que nos deixámos enredar e faz-nos acreditar que ainda é possível cumprir a felicidade.
Seja no seu belíssimo registo ficcional ou através de crónicas em que revemos parte da vida comum de uma geração (talvez duas…), um livro de Sepúlveda é sempre um sobressalto emocional. Não é por acaso que o escritor chileno tem um imenso grupo de leitores indefectíveis em vários países – Portugal incluído.
Depois do romance “A Sombra do que fomos”, o escritor regressou agora com “Histórias daqui e dali”, um conjunto de 25 crónicas de memória e afectos, muitos, comuns a um rol de “derrotados que se negam a aceitar a derrota”, como tão bem define. E esses derrotados teimosos somos todos nós que nos revemos nas histórias que não são nossas mas falam de um tempo que é o nosso; de uma História que não é nossa mas que partilhámos à distância; de países onde nunca estivermos e de revoluções em que não participámos – mas pelas quais suspirámos e com os derrotados chorámos.
As histórias que Luis Sepúlveda agora nos traz não têm um tempo totalmente definido, antes escorrem de uma década para outra, começam nos anos 70, passam pelos 80 e chegam num pulo ao novo século, este que ainda agora começou e já tantos amargos de boca deixou, olhado e vivido com um esgar irónico por esses derrotados que continuam de pé, ao contrário de outros heróis instantâneos de que não rezará a História.
Há de tudo um pouco, numa miscelânea intensa com um fio condutor pelo qual Sepúlveda nos guia como só ele sabe: da dolorosa ausência de dois dos miúdos da velha fotografia de Anna Petereson em La Victoria ao “Escuta, Chile” na voz de Katya Olevskaia, na Rádio Moscovo; do som das máquinas de escrever de grandes jornalistas como Augusto Olivares aos latidos da cadela La Negra, amiga de ciclistas e de corridas livres, ou de Edward, o cão polícia que gostava de punks; ao som, cheiro e tacto da Peña dos Parra – ângel, Violeta e Isabel – que uma escavadora reduziu a escombros, deixando um buraco na Calle Carmen e um enorme vazio na alma de muitos intelectuais.
Luis Sepúlveda conduz-nos pelas ruas do Chile, da Colômbia ou do Equador até à selva amazónica, onde vamos conhecer o homem que serviu de inspiração ao tão famoso “O Velho que Lia Romances de Amor”.
Histórias que têm pessoas, umas conhecidas outras anónimas, capazes de grandes feitos ou de simples gestos de enorme solidariedade. Todos heróis, tão frágeis como corajosos. E também os outros, aqueles que não devamos esquecer, pelo mal que fizeram. Para que a história não se repita.
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Luis Sepúlveda
Histórias daqui e dali
Porto Editora, 14,54€
Seja no seu belíssimo registo ficcional ou através de crónicas em que revemos parte da vida comum de uma geração (talvez duas…), um livro de Sepúlveda é sempre um sobressalto emocional. Não é por acaso que o escritor chileno tem um imenso grupo de leitores indefectíveis em vários países – Portugal incluído.
Depois do romance “A Sombra do que fomos”, o escritor regressou agora com “Histórias daqui e dali”, um conjunto de 25 crónicas de memória e afectos, muitos, comuns a um rol de “derrotados que se negam a aceitar a derrota”, como tão bem define. E esses derrotados teimosos somos todos nós que nos revemos nas histórias que não são nossas mas falam de um tempo que é o nosso; de uma História que não é nossa mas que partilhámos à distância; de países onde nunca estivermos e de revoluções em que não participámos – mas pelas quais suspirámos e com os derrotados chorámos.
As histórias que Luis Sepúlveda agora nos traz não têm um tempo totalmente definido, antes escorrem de uma década para outra, começam nos anos 70, passam pelos 80 e chegam num pulo ao novo século, este que ainda agora começou e já tantos amargos de boca deixou, olhado e vivido com um esgar irónico por esses derrotados que continuam de pé, ao contrário de outros heróis instantâneos de que não rezará a História.
Há de tudo um pouco, numa miscelânea intensa com um fio condutor pelo qual Sepúlveda nos guia como só ele sabe: da dolorosa ausência de dois dos miúdos da velha fotografia de Anna Petereson em La Victoria ao “Escuta, Chile” na voz de Katya Olevskaia, na Rádio Moscovo; do som das máquinas de escrever de grandes jornalistas como Augusto Olivares aos latidos da cadela La Negra, amiga de ciclistas e de corridas livres, ou de Edward, o cão polícia que gostava de punks; ao som, cheiro e tacto da Peña dos Parra – ângel, Violeta e Isabel – que uma escavadora reduziu a escombros, deixando um buraco na Calle Carmen e um enorme vazio na alma de muitos intelectuais.
Luis Sepúlveda conduz-nos pelas ruas do Chile, da Colômbia ou do Equador até à selva amazónica, onde vamos conhecer o homem que serviu de inspiração ao tão famoso “O Velho que Lia Romances de Amor”.
Histórias que têm pessoas, umas conhecidas outras anónimas, capazes de grandes feitos ou de simples gestos de enorme solidariedade. Todos heróis, tão frágeis como corajosos. E também os outros, aqueles que não devamos esquecer, pelo mal que fizeram. Para que a história não se repita.
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Luis Sepúlveda
Histórias daqui e dali
Porto Editora, 14,54€