Sara Rodi: “Devolver aos portugueses a memória de D. Estefânia”
A sua vida foi curta e trágica, e o seu reinado ainda mais reforçou esse destino funesto. Sobrou-lhe o amor: a D. Pedro e a Portugal. Sara Rodi quis devolver aos portugueses a memória de D. Estefânia. Fê-lo num romance em que dá voz à jovem rainha que deixou o seu dote de casamento para a construção do hospital pediátrico que ainda hoje tem o seu nome.
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P – O que a levou a escolher como tema de romance a história de D. Estefânia, uma rainha com um reinado tão trágico e curto?
R – Achei importante devolver aos portugueses a memória de quem foi D. Estefânia, por nos ter deixado tanto em tão pouco tempo, e ter vivido uma das mais bonitas (embora trágica) histórias de amor do seu tempo.
Por outro lado, interessava-me trabalhar sobre a temática da morte e da sua aceitação. É algo intemporal, que trespassa séculos e fronteiras, e esta história permitiu-me entrar na pele de alguém que sabe que vai morrer, apesar do tanto que ainda tinha para fazer. Foi uma experiência muito intensa, que me levou a refletir sobre o próprio sentido da minha vida.
P – Considera que é uma rainha cujo papel foi esquecido pelos portugueses e que poucos saberão que o hospital pediátrico de Lisboa tem o seu nome porque deixou o dote de casamento para a sua construção?
R – Sem dúvida. A maior parte das pessoas que me escreve, depois de ler o livro, diz-me que desconhecia a história de D. Estefânia. Em muitos casos, são pessoas que, pelos mais diversos motivos, até têm uma ligação ao hospital. Mas a história da rainha que o sonhou, e que ainda hoje tem o seu nome nele inscrito, era inexplicavelmente pouco conhecida. Nesse sentido, e apesar de o meu livro ser um romance ficcionado, sinto que deixei algum contributo para a História.
P – O que mais a fascinou na vida de D. Estefânia?
R – O seu sentido de missão, a pureza da sua relação com D. Pedro V, e todos os indícios trágicos que marcaram o dia do seu desembarque em Portugal, que pareciam ser já prenúncio do que viria a acontecer 14 meses depois (a sua morte prematura).
P – Ao optar pela escrita na primeira pessoa, com a rainha a recordar a sua vida já no leito de morte, pretendeu conferir maior dramatismo à narrativa?
R – Fui guionista durante muitos anos, gosto de entrar na pele das personagens, entendê-las e dar-lhes voz. Nesse sentido, sinto-me muito confortável a escrever na primeira pessoa. E, no caso deste livro em particular, interessava-me perceber a forma como alguém que está a morrer olha para a sua vida e interpreta os factos que viveu. E essa reflexão só fazia sentido se fosse escrita na primeira pessoa. Se isso tornou a história mais intensa, foi uma boa consequência de algo que se me impôs naturalmente.
P – Apesar de se tratar de um romance, verifica-se um enorme cuidado em manter o rigor histórico. A escrita do livro exigiu-lhe um grande trabalho de investigação?
R – Exigiu, sobretudo porque a minha formação não é em História. Para conseguir sentir-me no século XIX, na pele de D. Estefânia, tive que investigar não só a história dela, como tudo aquilo que se passava, vivia, cheirava, sentia, vestia, fazia, dizia, naquela época, em Portugal. Isso implicou a leitura de uma vasta bibliografia, que me permitisse o conforto suficiente para contar a minha história, sentindo-a como uma verdade (ainda que romanceada).
P – Na sua investigação confirmou a existência de uma profunda comunhão entre D. Estefânia e D. Pedro V, ou engrandeceu esse amor para dar maior ênfase à obra?
R – Havia, de facto, um entendimento profundo entre D. Pedro e D. Estefânia. Isso é patente nas cartas que eles escreveram um ao outro e numa série de episódios registados pela História. Eles comungavam das mesmas ideias; tinham ideais de vida semelhantes; formas de ser que se complementavam. Todos nós, penso, buscamos isso nas nossas relações, e eles encontraram-no de forma surpreendente, sem se conhecerem antes do casamento. Por isso se dizia (e eles próprios o sentiam) que o casamento deles tinha sido o encontro de duas almas gémeas.
Claro que não eram seres perfeitos. Erravam. Tinham os seus defeitos, como todos nós. Mas eu coloquei D. Estefânia no leito de morte. Quem, à beira de partir, não desculpa tudo aquilo que possa ser um erro ou um defeito daquele que ama?
P – A sua carreira como escritora é pontuada por géneros muito diversos, do romance ao teatro, da literatura infantil aos guiões de telenovelas. Com qual se identifica mais?
R – Todos os géneros me preenchem de formas diferentes, e são facetas da minha própria personalidade. Escrever para televisão ou cinema permite-me projetar imagens naquilo que escrevo, sinto-me realizadora através das palavras. Na escrita para teatro sou uma atriz em palco (ainda que o meu seja o ecrã do computador). Na literatura infanto-juvenil sou a mãe que adora contar histórias aos seus filhos e fomentar-lhe a criatividade. E através dos romances faço a minha catarse, liberto aquilo que está mais fundo, para além do que sou ou do que mostro ser, promovendo (gosto de acreditar que sim) a reflexão em todos aqueles que me lêem. Não sei se algum dia conseguirei render-me a um único género. Por enquanto ainda sou um mosaico de todos eles.
P – Pensa voltar ao romance histórico?
R – Sim. Ultrapassados os meus receios iniciais, e tendo o romance sobre D. Estefânia tido a aceitação que teve, creio que iniciei uma viagem sem regresso. Até porque há muitas outras personagens esquecidas, pelos bons e pelos maus exemplos, que gostava de devolver à nossa História. Todas elas com histórias de vida surpreendentes, onde ao mesmo tempo subsistem os temas mais intemporais, que me interessam por serem a marca da nossa Humanidade.
P – O que está a escrever atualmente? E para quando a sua publicação?
R – Terei algumas novidades na área infanto-juvenil, ainda no final deste ano. E conto concluir um novo romance no próximo ano. É para esse que estou já a trabalhar intensamente, neste momento.
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Sara Rodi
D. Estefânia, Um Trágico Amor
A Esfera dos Livros, 21€