Rute Silva Correia | O Ano em que não ia haver Verão

1- O que representa, no contexto da sua obra o livro “O
Ano em que não ia haver Verão”?
R- “O Ano em que não ia haver verão” é o terceiro
livro que escrevo, o segundo a ser publicado e o meu primeiro romance. Depois
de escrever sobre tempos antigos, precisava de escrever sobreLisboa, hoje. Eu
costumo dizer que “escrita é escrita”, que um bom escritor é capaz de
escrever em qualquer género, embora, eventualmente, acabe por destacar num ou
noutro. Quando escrevemos ficção depois de escrever biografias, há uma surpresa
de “nós” a seguir àquele trabalho exaustivo sobre a vida dos outros.
Ou seja, os romances são a biografia do autor. O método de trabalho é muito
diferente. A escrita de uma biografia tem de ser absolutamenterigorosa, não
pode haver hesitações em nenhuma data, em nenhuma citação. E eu tive a sorte de
escrever sobre pessoas de quem gosto muito, tive espaço para dar de mim, da
minha empatia.
O romance, por outro lado, é um lugar de incerteza. Gosto
muito daquela zona da escrita em que se pisa a linha da incerteza, do quase
inverosímil, do será ou será que não. A natureza humana é isso mesmo, é ser mas
não ser, uma pessoa é sempre uma coisa e muitas outras. E a escrita é a
representação da natureza humana, a representação de pessoas. Eu gosto de textos
um bocadinho rocambolescos. Gosto de ter de voltar atrás umas páginas, só para
confirmar. Gosto de anacronismos. Gosto de ter essa liberdade na leitura e
também na escrita, gosto do lugar para o erro, gosto que o trabalho de rigor se
concentre sobretudo no uso criterioso da palavra, da frase, do sentido. Neste
livro, há um sub-enredo quase policial que foi muito pensado para bater certo.
Mas as personagens, que são quem dá a vida e o coração à
história – a qualquer história – têm um carácter exuberante, são muito humanas.
2- Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R- Este romance era para ter sido uma série de quadros sobre
um determinado círculo lisboeta. Ia chamar-se “Crónicas Subterrâneas”
ou qualquer coisa desse género. Entretanto, surgiu-me a história dos amores de
Gizela e Santiago. No processo criativo que é a escrita de ficção, há um
momento em que as personagens ganham vida própria. Foi quando me apercebi que a
história daqueles dois amantes era transversal a muitas das outras, e comecei a
desenvolver a ideia de uma narrativa mais estruturada. Gizela e Santiago
passaram a dominar o livro, com um pano de fundo composto por uma série de
personagens secundárias psicologicamente muito ricas, porque foram pensadas
para ser protagonistas das tais crónicas.

3- Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Tenho um livro em “pós-produção”, também na
Oficina do Livro, e ando a pensar num próximo romance. Costumo escrever
pequenas histórias sobre episódios e pessoas que me inspiram, variações sobre o
que se vai ouvindo daqui e dali… Gosto muito de inventar pessoas e de
analisar pessoas, que são as personagens. Depois, pego nisso tudo e escrevo um
romance. É quando a ficção finalmente supera a realidade. O mais difícil é
decidir quando está pronto, porque um romance nunca está pronto, nunca está
perfeito. Mas em algum momento temos de o deixar ir e ser lido. São os leitores
que fazem um livro ser perfeito.

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Rute Silva Correia
O Ano em que não ia haver Verão
Oficina do Livro, 15,50€