Rui Rocha: “A reinvenção da escrita com a oralidade como trave mestra”
1-No ano do centenário de José Saramago, qual o principal legado do escritor?
R-Aí está uma pergunta fácil de responder. O legado de um escritor só pode passar pelos seus livros e o que trazem dentro. No caso do José é difícil particularizar. O seu legado vai desde a reinvenção da escrita com a oralidade como trave mestra, ou não fossem os seres humanos contadores de histórias desde o início, à imaginação maravilhosa com concretização de sonhos barrocos e impossíveis na facilidade de quem escreve uma palavra de cada vez, passando pelo ambiente que é o mundo inteiro e tudo o que nele existe e não existe, até às suas personagens inesquecíveis: Blimunda Sete Luas, Baltasar Sete Sóis e Bartolomeu Dias, Jesus Cristo e Maria Madalena, Ricardo Reis, Tertuliano Máximo Afonso, todas as mulheres inesquecíveis, A Mulher do Médico, Caim, o Senhor José, Raimundo Silva, todos os cães, especialmente Ardent Constante, mas acima de tudo todos nós lá dentro da sua obra, como autores, personagens e seres poderosos e frágeis, desterrados e confusos, humanos. Não será mau para um legado.
2-Qual é o seu livro preferido escrito pelo nosso Nobel?
R-Aí está uma pergunta difícil de responder. Depois de muito pensar, escolho Memorial do Convento, A Jangada de Pedra, O Ano da Morte de Ricardo Reis, O Evangelho Segundo Jesus Cristo.
3-Razões dessa escolha?
R-O “Memorial” foi o primeiro e toda aquela magia medieval, cheia de estrelas cadentes e amor, a “Jangada” pela viagem, pela língua portuguesa e a aventura de uma ilha se encontrar a si mesma, “O Ano da Morte” que li na “Brasileira” do Porto enquanto faltava às aulas, saltando dos textos esotéricos de Pessoa para os braços de um espectro numa cidade de espectros, “O Evangelho” porque é mesmo muito lindo. E os outros, e todos os outros, claro que todos os outros.
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Rui Miguel Rocha, Escritor e Colunista na “Novos Livros”