Rui Melo: “Mudar é sempre bom”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro «Gosto de Amar de Perto»?
R-Sempre me fascinou a discussão interior a que me votava, quando pensava, com admiração, sobre as capacidades do Ser Animal Humano. O meu espanto sobre o longo caminho que a nossa espécie tinha realizado. Mas ao mesmo tempo incomodava-me profundamente, talvez por não gostar de perder nem a feijões, saber que algumas civilizações muito antes da nossa demonstrarem, através dos legados/achados escritos, um conhecimento, em muitas áreas, muito superior ao nosso. No caso dos Sumérios, por exemplo, revelando já conhecerem Plutão, sua órbita e tamanho (proporcionalidade em relação aos outros planetas) que a nossa civilização só descobre no século passado, mais precisamente em 1930. Isto sempre me deprimiu um pouco. Saber que apesar do nosso enorme potencial, nem sempre soubemos seguir o melhor caminho para uma evolução constante e duradora. Que nesse caminho, oscilamos muito e seguimos/aceitamos tendências que nos são prejudiciais. Que como sociedade, escolhemos, por vezes, sermos uma pior versão de nós mesmos. Que nem sempre a culpa é de alguém ou de algum grupo… mas na verdade, essas mudanças acontecem e, intermitentemente, vamos do brilhantismo à idade das trevas. No meio de toda esta investigação introspetiva, comecei a tentar responder a uma grande questão: que característica ou escolha da civilização actual estaria a apontar-nos para mais uma idade das trevas. Para mais um retrocesso civilizacional. Descobri, e esta é uma opinião muito pessoal, que provavelmente é este desinteresse na proximidade. Que esta nossa tendência para o distanciamento entre os pares, apesar de vivermos perto uns dos outros – cerca de 50% da população mundial já vive em meios urbanos, vai tornar-se um caso muito sério. Ou seja, estamos perto, mas queremos distância. Se andarmos décadas para trás no tempo, verificamos que era inconcebível viver ao lado de alguém que não conhecemos e nem o queremos conhecer. A verdade é que grande parte da população mundial, vive em prédios de dezenas de andares, com centenas de famílias, onde impera a indiferença. Mais próximo e mais distante do que isto nunca existiu. A proximidade entre as pessoas e os mecanismos de recuperação dessa vontade para voltarmos a querer estar conectados, foi para mim um alerta de atenção muito forte e que me motivou a escrever sobre isso. É preciso direcionar a nossa mais válida atenção. Nem todo o conhecimento é sobre o mundo lá fora. Deixar de conhecer o ser humano e a sua humanidade é talvez o próximo conhecimento em perigo de ser perdido, se nada for feito para o contrariar. Sem a aposta na proximidade, conseguiremos desconsiderar o Outro com facilidade e sem remorsos… e isso, já todos sabem, é a ignição para a intolerância, individualismo, guerras, etc… Foi por sermos seres sociais que nos conseguimos proteger contra outras espécies mais fortes. Perder esta capacidade é talvez perder a única fórmula que temos para prevalecer como espécie. Estamos a ficar arrogantes, convencidos de que conhecemos e dominamos todas as ameaças que existem. Mas esquecemos que novas ameaças podem aparecer a qualquer momento, até mesmo criadas por nós. Perdendo essa habilidade de nos conectarmos, vão ser precisas várias gerações para trazer esse conhecimento de volta.

2-Escreve sobre as distâncias que existem no mundo actual: ainda vamos a tempo de eliminar (ou reduzir) os afastamentos que fomos criando e aceitando?
R-A ideia de homeostasia fala, numa primeira fase de sobrevivência. Depois percebeu-se que nós, como espécie, também temos a necessidade de prevalecer (evoluir). Assim que nos dermos conta de que a aposta no distanciamento, que parece estarmos (a maioria) a fazer, não resulta numa evolução, vamos de certeza querer corrigir. É tudo uma questão de tempo. A nossa sorte é que estas “apostas” que a humanidade parece de quando em vez fazer, levam algum tempo até se enraizarem. Mas quando entranham ao longo de algumas gerações, a sua desintoxicação torna-se um caso sério. Veja-se o caso da poluição. A ciência não quis olhar. Sempre soube observar e tirar as suas conclusões, mas como andávamos todos entretidos a criar Consumidores, não interessava travar esse ímpeto. O consumismo apropriou-se do cognome evolução e virámos todos a cara. Sou um optimista profundo, por natureza, e considero que vamos sempre a tempo de mudar. São os adultos que têm de trabalhar na mudança do paradigma da educação. Repescar o activo tempo. Muitas das receitas de culinária precisam de juntar água. Aqui, na alquimia da proximidade, é preciso juntar tempo. Tempo de qualidade. Sem isso e sem essa aposta, temo que nenhum “cozinhado” vá saber bem. Enquanto só tivermos tempo para sobreviver a aposta na proximidade vai estar a ser adiada ad aeternum. Estamos a desaprender a olhar e a sentir o Outro. É mesmo preciso mudar e em primeiro lugar, nas nossas casas.

3-Mudar é bom: será mesmo ou também nos estamos a resignar às mudanças que nos envolvem?
R- Mudar é sempre bom. Mesmo com arrependimento à mistura e se volte ao início, mudar é muito importante. Serve de esfoliante. Renova-nos. Agora… cabe a cada um de nós acertar nessa mudança. Mudar com convicção. Nem sempre acertamos, é verdade, mas se nos dedicarmos um bocadinho (lá está o tempo outra vez) a pensar em cada uma das nossas apostas, acertamos mais vezes. O que não pode acontecer, é como diz, é resignarmo-nos ao que as “tendências” desenharam para nós. A sociedade sugere e nós aceitamos. Porque nos demitimos de questionar. Uma das más apostas, e a quem não se consegue atribuir culpa, é a das nossas escolas serem incapazes de ensinar as nossas crianças a pensar. Despeja-se conhecimento para cima das suas vidas e esperamos, desta forma, que sejam adultos capazes. Algures no passado, as escolas tornaram-se lugares cinzentos, onde não se ensina a autonomia do pensamento. Se eu quero que os futuros adultos sejam seres capazes de escolher o que é melhor para eles, não é, com toda a certeza, através desta fórmula de ensino. Portugal é apenas um exemplo, o resto do mundo está na mesma. Mas, ainda assim, estou optimista. A escola desempenha uma grande parte da sua formação,m as não é a única. O Lar, como lugar onde se vive e se ensaia a proximidade, também tem a sua responsabilidade. E com doses diárias de tempo de qualidade, os pais podem compensar o que a escola não anda a fazer. Educar os nossos para a autonomia do pensamento é talvez a maior das ferramentas que lhe podemos deixar, como legado geracional. Ter o brio de sabermos pensar pela nossa cabeça. Claro que saber ouvir os outros é muito importante… mas criar nos nossos filhos o prazer de pensar, decidir e aceitar as consequências. Existe uma palavra há muito esquecida do nosso léxico corriqueiro… matutar. Para mim, é pensar até que se faça luz. É pensar até ter uma posição final e em sintonia connosco. É não desistir a meio em relação a uma questão ou problema. E é isso que eu faço e tento passar às minhas filhas.
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Rui Melo
Gosto de Amar de Perto
Guerra e Paz  14,50€

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