Rui Lage: “O infinitamente grande e o infinitamente pequeno”
[Fotografia: DR]
1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro “Firmamento”?
R- Uma ruptura. Nos sete livros de poesia que publiquei até à data, excepção feita a “Revólver” (2008), problematizei a perda coletiva do mundo campestre português tal como existiu, praticamente inalterado, durante séculos, perda essa que se cruza com a minha perda pessoal desse mundo, que foi o da minha infância e o dos meus antepassados. Nesses livros, entre o elegíaco e o satírico, interroguei a “terra mater”. E, no último livro desse ciclo, “Estrada Nacional”, conclui o trabalho de luto e fiz as minhas despedidas. Em “Firmamento”, viajo para fora da Terra. Para a Lua e mais-além; na verdade, até onde o espaço e o tempo se extinguem e tudo, até a matéria, se eclipsa… São poemas cósmicos, que interrogam o infinito. O inumano. Mas, nessa viagem, é como se eu fosse uma sonda espacial à deriva no cosmos, transportando uma pequena porção de terra mater até aos confins do Universo… Depois, há uma secção de poemas que interrogam a ideia de corpo, de consciência, de espírito, na era do transhumanismo. A metafísica é o denominador comum de todos os poemas de “Firmamento”.
2-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R- Na origem do livro está o meu fascínio, que vem de criança, com o infinitamente grande e o infinitamente pequeno. Os físicos teóricos que estudam esses dois domínios, até agora inconciliáveis, têm de articular conhecimento que coloca em crise a linguagem verbal, porque se trata de fenómenos da ordem do inconcebível, do impensável, do inimaginável. Mas, ao mesmo tempo que colocam em crise as palavras – ou precisamente porque as colocam em crise – dão um vislumbre de alguma coisa que é quase do domínio do sagrado. Não falo de Deus, ou de deuses, mas de uma espiritualidade intelectual.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever actualmente?
R- Acabei de escrever cerca de quatro dezenas de textos, entre poemas e fragmentos ensaísticos, para acompanhar dípticos fotográficos do Álvaro Domingues e do Duarte Belo. Chama-se “Portugal Possível” e é, creio, uma obra inclassificável. O seu objeto é o território português: as suas mutações e permanências, evoluções e regressões. É um trabalho simultaneamente político e poético. Será publicado algures na segunda metade deste ano.
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Rui Lage
Firmamento
Assírio e Alvim 14,40€