Rui Chafes: Entre o céu e a terra

CRÓNICA
| agostinho sousa

O livro divide-se em “A história da minha vida“, um retrato autobiográfico e um conjunto de 46 reflexões sob o nome “O perfume das buganvílias”.
Rui Chafes, Prémio Pessoa em 2015 entre outros, cuja obra se divide entre a escultura, o desenho e a escrita, com destaque para a produção escultórica, onde utiliza fundamentalmente metal pintado a negro, aproveita a primeira parte do livro para apresentar uma história da sua vida de forma singular. «Nasci em 1266», assim começa o seu crescimento enquanto ser pensante, misturando o seu conhecimento e o seu laboro na aprendizagem da escultura europeia medieval. Destaca e descreve esculturas determinantes de grandes Mestres, apresentadas por imagens elucidativas, numa escrita rica e poética, onde valoriza a capacidade humana em converter o mármore, uma matéria-prima que apesar de nobre é rígida e densa, e «transformar esses limites numa marca da passagem do sopro que transformou o peso da matéria na leveza do espírito. Não há magia aqui, apenas trabalho, a sabedoria e a experiência». Destaca o desejo de «um artista capaz do assombro de captar esse preciso segundo da transformação da pedra em vento: Bernini. Não se trata somente de um prodígio técnico (que é assombroso!) nem de um prodígio visual (que é esmagador!). Trata-se do prodígio de transformar a pedra, a matéria, em emoção, em energia, em leveza que contraria o peso, em vento.»
E que o levará a concluir que «nestes últimos anos [escrito em 2011] tenho, finalmente, tentado trabalhar em coisas minhas, depois de tantos anos a trabalhar para outros artistas. […] depois de tantos anos a trabalhar com grandes Mestres, estou em situação de, pelo menos, ter esperança de conseguir fazer alguma coisa minha, de conseguir criar um dia alguma escultura válida.». Até porque como afirma: «o mundo já tem suficientes objectos inúteis sem razão para existirem
A segunda parte do livro é um conjunto de 46 reflexões que podem ser lidas de forma avulsa, mas que se interrelacionam na sua postura enquanto artista para com o mundo, abrangendo: a beleza; a poesia; a arte; a coragem; o laboro; o homem e o artista; a religião; o mistério; o efémero; a memória; o artifício; a alma; etc.
Poderia transcrever uma grande parte, senão todas as 46 reflexões, mas isso seria um desrespeito perante um artista de tão enorme valia, tanto nas peças produzidas como nas reflexões apresentadas e, portanto, pela dificuldade de escolha, fico-me simbolicamente pela última, não deixando de mencionar que este é um daqueles livros que merecem releituras aleatórias: «Um grande poeta, meu amigo, disse-me qua as buganvílias não têm cheiro. Mas nós sabemos que tudo tem cheiro, até o vidro, os navios de espelhos [que o diga Mário Cesariny] e as flores-de-lis tatuadas no coração das donzelas. As buganvílias, quando fenecem e se apagam lentamente, libertam, no exacto momento em que a luz se extingue, um suave odor a rapariga adormecida da madrugada. Os poetas sabem o mundo todo, mas nem sempre têm razão.»
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Rui Chafes
Entre o Céu e a Terra
Documenta  10€

Espinho, 01/05/21

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