Rui Cardoso: “A construção de narrativas mitológicas é central para autocratas e para regimes totalitários”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro “Conta-me como não foi”?
R-Este livro nasceu a partir de um trabalho que fiz para o Expresso há coisa de um ano e tal. Na altura o Martim Silva, da direcção do jornal, tinha-me pedido uma dupla peça: sobre os mitos da História em geral e sobre os portugueses em particular. Mais tarde o Francisco Camacho sugeriu-me que expandisse a ideia para o formato de livro. E assim surgiu o “Conta-me como não foi”. Onde havia  a análise de três mitos da História de Portugal (Viriato, Afonso Henriques e Salazar) passou a haver 22.

2-O seu livro percorre inúmeros mitos da nossa história: quais considera o mais significativos e relevantes?
R-Há dois de que gosto muito por serem de alguma forma mitos fundadores: Viriato, o nosso longínquo bisavô que nem era pastor nem da Serra da Estrela. E Afonso Henriques que não bateu ma mãe (coisa algo freudiana) e muito menos lutou contra umas dezenas de milhar de mouros com a ajuda do Apóstolo Santiago Mata-Mouros em Ourique (já agora qual? A do Ribatejo? A do Alentejo?)

3-A existência destes mitos é coisa do passado ou estamos já hoje a imaginar e construir novos mitos?
R-Como Putin nos mostra com a sua tentativa de estatização da História russa, a construção de narrativas mitológicas é central para os autocratas e para os regimes totalitários. Putin tenta estabelecer um atalho fantasmagórico entre a velha União Soviética e o seu regime, considera o presidente e os responsáveis governamentais ucranianos uma espécie de neo-nazis e nega as responsabilidades da polícia política de Estaline no massacre de prisioneiros polacos na floresta de Katyn em 1941, coisa que Gorbachev tinha reconhecido.
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Rui Cardoso
Conta-me como não foi. Mitos e Mentiras da História de Portugal 
Casa das Letras  16,90€

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