Rita Cruz: “Dar poder a quem não o tem”
1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro «A Menina Invisível”?
R- A ideia de dar poder a quem não o tem, numa situação específica: a da violência física. Não está muito longe da ideia dos super-heróis, embora a Alice do livro seja tudo menos isso. Começou com a ideia de uma criança, debaixo do corpo e da violência de um homem, e perante a incapacidade de impedir, de lutar, de se libertar e de manter o corpo só dela, perante a impossibilidade de assistir ao que lhe acontece, se esconde tão dentro dela, para estar cega, não ver, não ouvir, não sentir, que se torna invisível. E, nessa invisibilidade, ganha poder. O corpo nunca mais pode ser agarrado por ninguém. Esta foi a ideia inicial. E depois de a ter, de existir na minha cabeça esta Alice que agora conseguia ser invisível, comecei a escrever para entender o que lhe acontecia, que vida tinha. Sabia só, quando comecei a viajar com ela, que a palavra invisível era cromática. Que dizia que ela, Alice, podia desaparecer. Mas que também podia ser trabalhada para ilustrar que a invisibilidade existe mesmo sem fantasia. Que, no fundo, Alice, a menina pobre que vivia num casebre isolado da montanha, era invisível desde sempre. Depois descobri que havia mais coisas, à medida que fui escrevendo. Por exemplo, que a invisibilidade também se aplica à dor que não se vê, que não é acompanhada de carne rebentada ou de ossos partidos e que existe apenas nos lugares invisíveis da nossa mente. E acabei por descobrir que a Alice não era quem eu pensava que ela era, nem tomava as decisões que eu achava que ela devia tomar. E surgiu outra ideia, que ela me sussurrou. Mas sobre essa não falo, porque o leitor a descobrirá por si, num caminho que gostaria muito que ele desbravasse por si.
2-Depois de No País do Silêncio, este é o seu segundo romance: podemos dizer que já existem caminhos consolidados na sua escrita ou prefere que cada livro se afirme por si só?
R- Não, não creio que haja de todo. Aliás, o No País do Silêncio e A Menina Invisível são livros muito diferentes. Como pessoa e como leitora, cabem em mim demasiados interesses para não me entusiasmar com as veredas que saem dos caminhos trilhados. A minha biblioteca é eclética e como pessoa, tenho no meu currículo uma amálgama de profissões, já vivi nos cinco continentes, em paisagens e contextos totalmente opostos, tenho amigos espalhados pelo globo que vestem culturas diferentes e têm interesses e formas de pensar muito díspares. Isto para dizer que a diversidade palpita em mim e tenho alergia à estagnação. Se tenho tempo livre, ele não dura, porque me meto a aprender o que ainda não sei. A vida é tão curta, e eu sou privilegiada, por ter nascido onde nasci, crescido como cresci: uma família de classe média, rodeada de amor, num país onde pude ser criança e adolescente sem nunca ter visto mortes e guerras e o pior da humanidade a desfilar no meu bairro. De todo esse privilégio, sinto em mim sempre a obrigação de viver cada dia com gratidão, de dar sempre que me é possível. E creio que se há um paralelo entre os dois livros que escrevi, é provavelmente esta ambição de conduzir o leitor a ponderar sobre o seu próprio privilégio e o que resolve fazer dele. Ou não.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Desde que acabei A Menina Invisível, comecei a escrever vários romances. Mas nenhum deles foi suficientemente verdadeiro para que conseguíssemos caminhar longe os dois. Tenho brincado, a dizer que o terceiro romance é como um filho desobediente e temperamental. Não faz nada do que lhe é pedido. Tanto com o No País do Silêncio como com A Menina Invisível houve um momento chave que despoletou verdades, fosse na pele de um personagem ou no apelo de uma circunstância. E ambos tardaram a chegar para este terceiro. De modo que decidi parar com todos esses meios romances de meias verdades e esperar. E há cerca de um mês um personagem chegou-se a mim. Estou a ouvi-la. E ao mesmo tempo a fazer pesquisa sobre a nova época onde faz sentido que ela viva. Será esse o terceiro romance? Talvez sim, talvez não.
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Rita Cruz
A Menina Invisível
Guerra e Paz 18€