Richard Zimler: “Uma oportunidade de continuar a explorar um mundo desaparecido”
1-O que representa, no contexto da sua obra, o romance A Aldeia das Almas Desaparecidas?
R-Representa para mim uma oportunidade de continuar a explorar um mundo desaparecido: o dos judeus secretos e cristãos-novos. Mais especificamente, deu-me o ensejo de explorar como reagiram os cristãos-novos à perseguição da Inquisição, ou seja, de descrever as suas estratégias de sobrevivência. Acho sempre muito interessante escrever sobre a vida dupla dos judeus secretos – como usavam uma máscara de cristianismo em público e praticavam os seus rituais judaicos tradicionais em casa, atrás de portas trancadas e cortinas fechadas. O livro também me deu a oportunidade de observar uma aldeia portuguesa muito linda – Castelo Rodrigo – da perspectiva de um menino de 9 anos, o Isaaque Zarco. Em A Aldeia das Almas Desaparecidas, foco uma zona rural portuguesa pela primeira vez. Adorei pesquisar Castelo Rodrigo e a sua região no século XVII.
2-Qual a ideia que esteve na base deste livro?
R-Pensei que seria fascinante explorar o efeito da Inquisição sobre um jovem. Afinal, as crianças não têm todas as defesas psicológicas dos adultos. E como nem sempre entendem as motivações dos adultos ou o funcionamento da sociedade, muitas vezes são confrontadas por mistérios profundos. Acaso existem mistérios tão confusos e perturbadores quanto os que enfrentamos quando somos jovens? No meu livro, quando a melhor amiga de Isaaque Zarco desaparece com a família, deixando a casa abandonada, ele fica muito transtornado e confuso. Para onde foram eles? Quando vão voltar? Os seus pais não lhe dão uma resposta clara porque isso significaria terem de explicar o que era a Inquisição e como funcionava – e que ele e a sua família eram judeus secretos. Dar estas explicações ao Isaaque seria muito perigoso porque, se ele revelasse alguma coisa sobre a origem judaica da família, poderiam ser todos presos e enviados para a prisão inquisitorial de Coimbra, onde seriam torturados para confessarem terem praticado o judaísmo.
3-A intolerância (religiosa mas não só) parece estar de volta nos nossos dias: o que não aprendemos com o nosso passado e com a história de famílias como a que protagoniza o seu livro?
R-Apesar da perseguição que Isaaque e a sua família enfrentam, o jovem está determinado a levar uma vida autêntica e a tornar-se o homem que deseja ser. Isso requer muita coragem e resiliência. E ele deve arriscar a vida para salvar as pessoas que mais ama. Por isso, penso que o livro nos recorda a grande coragem de muitos milhares de pessoas que no passado foram obrigadas a deixar Portugal devido a perseguições religiosas e políticas. Em Portugal, em geral, não recordamos esta coragem. E, em todo o mundo, não aprendemos a eliminar a nossa mentalidade “tribal” – ou seja, a eliminar a tendência para criar barreiras (e ódio!) entre pessoas devido a diferenças étnicas, religiosas, políticas ou de orientação sexual. Espero que os leitores desta obra se inspirem a continuar a lutar para se tornarem as pessoas que mais desejam ser. E para criarem um mundo menos “tribal” e mais justo e igualitário. Mas cada leitor é diferente e vai tirar do livro o que achar mais importante, interessante e belo.
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Richard Zimler
A Aldeia das Almas Desaparecidas. A Floresta do Avesso
Porto Editora 22,20€
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