Ricardo Gil Soeiro: “Uma continuação e uma viragem na minha poesia”

1-O que representa no contexto da sua obra o livro “Pirilampos”?
R- Pirilampos representa simultaneamente uma continuação e uma viragem na minha poesia. Uma continuação, na medida em que prossegue a minha proposta de uma poética palimpséstica, na senda de um livro como Da vida das marionetas, por exemplo. Também aí procurava pôr em cena várias variações ou divertimentos sobre um mesmo núcleo poético, nesse caso a figura do corpo inanimado. Com este novo livro ponho em marcha o mesmo processo poético, embora aplicado à figura do pirilampo. Por outro lado, como que institui uma ruptura, já que, como o próprio título deixa entrever, trata-se de uma obra que se demarca claramente da tonalidade mais sombria de livros como Volúpia do Desastre ou Tratado da Mão que escrevi sob a sombra tutelar de Cioran. Estes pirilampos foram escritos numa altura em que estava particularmente enfeitiçado pela poesia da Szymborska. Isto não quer dizer que essa dimensão mais luminosa, mais solar, obnubile a preocupação com o lado trágico da vida. Diria que é um livro que procura encontrar esse chiaroscuro, esse subtil contraste entre luz e sombra. Os Pirilampos ajudaram-me nessa procura.

2-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R- No início, tinha apenas um punhado de poemas, intitulado “Profanação do Sopro”, e ainda não sabia muito bem qual seria o rumo desse conjunto avulso de poemas. Curiosamente, perdi as folhas onde tinha registado esse núcleo embrionário de poemas. Algum tempo depois, após ter encontrado os rascunhos iniciais, li de novo todo a série e houve uma imagem que sobressaiu: a do pirilampo. Fiquei fascinado com o poder simbólico dessa figura porque o pirilampo, como a poesia, exibe essa capacidade simultaneamente frágil e fulgurante de irradiar uma trémula luz, passível de iluminar a escuridão que se encontra em seu redor. A partir daí, foi uma questão de pesquisa e de experimentação poética: procurei encenar mútiplas hipóteses de vida, múltiplos cenários poéticos, para a figura do pirilampo, estabelecendo diálogo com outros pirilampos literários, por assim dizer, como por exemplo os pirilampos de Rilke, Cortázar, Tagore, Borges ou Kobayashi Issa.

3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Neste momento, estou a trabalhar num livro de poesia, intitulado Lições da Miragem. Pareceu-me interessante explorar, do ponto de vista formal, a categoria de “lição”, embora numa acepção bastante lata. No fundo, são breves meditações poéticas em torno das mais diversas áreas disciplinares, da astronomia à biologia, da zoologia à teologia ou à geometria. No que toca a uma outra valência do meu trabalho, terminei a tradução do livro Confissões e Anátemas do Cioran (deverá sair em 2023). E estou também a trabalhar na tradução de Cinza, Agulha, Lápis e Fósforos, uma antologia de textos do Robert Walser, e uma outra antologia, intitulada Bonecas, Brinquedos, Marionetas & Outras Criaturas: Textos de Rilke, Baudelaire, Benjamin, Kleist e Kafka.
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Ricardo Gil Soeiro
Pirilampos
Assírio e Alvim  €

Ricardo Gil Soeiro na “Novos Livros” | Entrevistas

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