Ricardo Gil Soeiro: “Resultado da reflexão plural”
1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro de que é co-organizador: “Fernando Pessoa & Emil Cioran”?
R-Em boa verdade, a ideia partiu do Professor Paulo Borges da Faculdade de Letras de Lisboa e do Professor Ciprian Valcan, e o propósito inicial seria, justamente, homenagear, de modo comparativo, duas personalidades da cultura romena e portuguesa. Foi nesse sentido que se realizou na FLUL, em 2019, o Colóquio Internacional Fernando Pessoa & Emil Cioran. Pensadores das Margens da Razão e da Civilização. O objectivo fundamental passava pela apresentação, tanto a investigadores académicos, como a um público mais vasto, do resultado da reflexão plural que teve lugar durante esse encontro internacional que teve lugar em Lisboa. A partir desse momento, só volvidos quatro anos, nos foi possível reunir todos os ensaios de um modo coerente e finalizar todo o complexo processo de edição que, pelo elevado número de participantes, foi particularmente moroso. Mas estamos orgulhosos do resultado final.
2-Que pontos de contacto existiram entre os dois pensadores?
R-Há, de facto, muitos pontos de articulação: uns mais explícitos, outros mais difíceis de descortinar. De qualquer forma, com a aproximação entre estes dois autores (e, numa perspectiva mais abrangente, entre literatura e filosofia) pretendemos equacionar de que modo ambos, Pessoa e Cioran, convergem numa desconstrução radical do paradigma racional e civilizacional dominante, pensando criticamente nas margens da filosofia e abrindo passagens para os seus outros, desde a poesia e a literatura à experiência extática e mística, sem enquadramento religioso ou teológico. Ambos são, efectivamente, figuras resolutamente excêntricas (no sentido etimológico do termo: ekkentros, aquele que se situa fora do centro), ambos testaram as aporias dos seus respectivos ofícios, Pessoa forjando uma galáxia literária em permanente mutação, ao passo que Cioran nunca deixou de interpelar criticamente os limites do discurso filosófico. Ambos partidários de uma corrosiva lucidez, ambos se viram em clarividente ruptura com as apaziguadoras consolações, quer dos impasses da escrita realista, quer da doxa filosófica, demasiado presa à transparência do dizer apodíctico.
3-O livro recolhe 13 ensaios de variados autores: que novas pistas surgem ao longo dos textos?
R-Face às heteróclitas contribuições de especialistas tão diferentes (das mais diversas filiações teóricas e proveniências geográficas e culturais), não nos deve espantar o carácter seminal de tantas novas pistas sobre as afinidades electivas entre estes dois mestres da escrita. Importa não esquecer que o volume contempla contribuições por parte de especialistas que ora os estudam autonomamente (Ciprian Vălcan, Mihaela Gentiana-Stanisor, Ko Iwatsu), ora exercem o seu escrutínio crítico de forma comparativa (Paulo Borges, José Thomaz Brum, Rodrigo Menezes, Mattia Pozzi, Giovanni Rotiroti, Irma Carannante, Joan Marin). No entanto, qualquer que seja a abordagem teórica e o prisma adoptado, creio que o resultado mais interessante e frutuoso do livro foi verificar os múltiplos horizontes que se abrem nos limiares ocidental e oriental da Europa para um pensamento e experiência novos a partir do questionamento radical dos modelos tradicionais. Ambos, Cioran e Pessoa, desmascararam de forma acutilante as pretensões do absoluto. Ambos deixam transparecer nas suas multifacetadas obras um inventário desencantado das nossas ilusões, elegendo o absurdo como a impura pátria do exílio, ao mesmo tempo que (permita-me que cite aqui Nietzsche) acolhiam o canto ébrio do mistério.
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Ricardo Gil Soeiro/Paulo Borges/Ciprian Valcan (org.)
Fernando Pessoa & Emil Cioran
Colibri 16€