Ribeiro Cardoso | O 25 de Novembro e os Media Estatizados: Uma História Por Contar

1-Comecemos por uma dúvida: porque é que esta era, 42 anos
depois, «uma história por contar»?
R-Começo por uma pequena história: depois de ter terminado o texto do livro
pensei apresentar à editora uma proposta de capa a negro com os seguintes
caracteres a branco que rezava assim:

O 25 de Novembro 1975 e os media estatizados
O grande golpe ou uma história por contar
. 152 trabalhadores suspensos e despedidos à margem da Lei
. Um processo exclusivamente político-partidário
. Administrações de má fé arrastam processos
.Tribunais, ao fim de anos, absolvem todos os trabalhadores
. Provedoria de Justiça deliberadamente desrespeitada
. RTP: condenada e sem dinheiro para pagar indemnizações
milionárias
.Militares e políticos de mãos dadas num mundo de
ilegalidades
. Carreiras profissionais arruinadas
. Dezenas de vidas pessoais e familiares destruídas
Na discussão que se seguiu mudei de ideias e outra foi a
solução. Não sei se o meu amigo, ao ler a primeira proposta de capa, conclui
que já respondi à sua pergunta. Isto por uma razão simples: os media dessa
época, com raras excepções, contaram e repetiram outra história. Pior: uma
história, a meu ver a milhas da realidade, que ao longo de 42 anos foram
repetindo, assim moldando a nossa memória colectiva. Como aconteceu com a
história que culpa Saramago pelo despedimento, no chamado Verão Quente, de 24
trabalhadores do Diário de Notícias – uma história falsa de cabo a rabo, como
sublinho com pormenor e dados concretos neste livro.
Para além disto, e para responder cabalmente à sua dúvida:
até agora nunca alguém (nos jornais, rádios e televisões) 
– tratou do tema globalmente, apesar do seu enorme
significado político
– foi ouvir os defenestrados e/ou relatou as consequências
trágicas na vida de tantos trabalhadores, jornalistas ou não
– consultou todo o processo judicial, que começou no
Tribunal do Trabalho, passou pela Relação e terminou com sentença irrecorrível
do Supremo, dando sempre razão total aos trabalhadores.
O que, julgo eu, deve ter algum significado. Como
significado tem o manto de silêncio que, neste e em muitos outros casos, tenta
esconder as safadezas e as injustiças que caem sobre tantos cidadãos. Em
Portugal como por esse mundo fora.
Na verdade, a História e a Memória Colectiva andam, por
norma, de candeias às avessas. A bota raramente bate com a perdigota…
Fundamentalmente, mas não só, graças aos media que, por razões comerciais e
sobretudo ideológicas, num primeiro momento distorcem a realidade, os factos; e
mais tarde, não investigam, não cavam o passado para melhor conhecermos o
presente. Mas, como dizem a canção e o poema, há sempre alguém que resiste.
Investigação e memória precisam-se. Sempre. Como pão para a boca. E neste
contexto, a meu ver, deve ser enquadrado este livro. Esta história por contar.
2-Na investigação que fez e que deu origem a este livro, que
factos novos (ou desconhecidos) identificou?
R-De algum modo a resposta à pergunta anterior também responde à segunda
questão levantada. Contudo, na esperança de tornar mais clara a resposta,
acrescento:

  a. O principal facto novo é a abordagem e enquadramento
global que faço – o que até agora, que eu saiba, nunca tinha acontecido. O que
faz toda a diferença e dá uma ideia mais próxima da extrema gravidade –
política, social e humana – do caso. Bem como dos seus porquês.
  b. Acontece ainda que nunca até hoje alguém tinha ido
consultar, para relatar publicamente, os processos existentes em Tribunal – com
factos, nomes e muitas surpresas.
  c. Do mesmo modo, nunca ninguém tinha ouvido, para relatar,
tantos testemunhos, de viva voz, de quem viveu por dentro esse tenebroso
processo.
  d. Novo também, e para se entender de modo mais claro que as
defenestrações nos media nacionais no 25 de Novembro não foram um facto
isolado, conto ainda novas versões, documentadas, de três casos que foram da
maior importância na contra-revolução que na época se verificou:
 -o caso do jornal ‘República’ (uma das maiores
mistificações do chamado PREC – Processo Revolucionário em Curso)
 -o caso da Rádio Renascença, até agora sempre deliberadamente
muito mal contado (um exemplo: ao fim de 42 anos finalmente vem a público a
versão, nunca contada, do jornalista que então coordenava a informação na Rádio
Católica Portuguesa)
 -e o caso do capitão penetra Tomás Rosa (como vasco
Lourenço o qualifica), figura sinistra e marioneta incontestada de outros
interesses. Nem sequer cheirou Abril ou alguma vez pertenceu ao MFA. Mas
rapidamente chegou a Ministro do Trabalho e a Presidente da RTP…
Para terminar esta resposta, permita-me ainda que lembre a
seguinte citação de Manuela Cruzeiro, reputada estudiosa da Revolução do 25 de
Abril : “A memória não é um processo natural e muito menos pacífico. É sim uma
batalha permanente entre os que não querem lembrar e os que não podem
esquecer”
. Acontece que estou no grupo dos que não podem esquecer. E
também no pequeno grupo dos que querem lembrar.
3-O seu livro é, também, a partir do que se viveu na comunicação social, um
contributo para se conhecer e compreender o ambiente político em Portugal entre
1974 a 1976?
R_Esse foi, na verdade, um dos objectivos do livro. Se foi conseguido ou não,
por aí não entro. Outros que digam de sua justiça. A única coisa que posso
afirmar é que sobre o que na verdade se passou no 25 de Novembro de 75 e nos
meses anteriores – na comunicação social e em numerosos sectores da vida
portuguesa – , muito está por contar e para contar. Alguma coisa tem vindo
ultimamente à tona. Sublinho dois livros: “Quando Portugal ardeu”, do
jornalista da Visão Miguel de Carvalho; e “O 25 de Novembro a Norte”, de Jorge
Sarabando. E repito a pergunta que já alguns fizeram e fazem: afinal, quantos
25 de Novembro houve?
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Ribeiro Cardoso
O 25 de Novembro e os Media Estatizados: Um História por Contar
Editorial Caminho   19,90€