Raphael Yudin: “Precisava de escrever sobre o bem e o mal”
[Foto: Zito Colaço]
1-O que representa, no contexto da sua obra poética o livro «As Flores do Bem»?
R-No que respeita à «obra», dificilmente poderei avançar muito sobre o assunto. O que posso é manifestar-me sobre sentimentos, emoções, pulsões, visões – pessoais ou partilhadas, vivências internas e experiências universais – que terão estado na génese dos poemas e outros textos do livro «As Flores do Bem». Sim, queria, precisava de escrever sobre o bem e o mal, o certo e o errado. Em síntese, este conjunto de reflexões poéticas possui com certeza uma linha de continuidade em relação à trilogia ficcional e poética «Os Cães de Cérbero». Desde logo, porque os temas dominantes nos poemas são em grande medida os mesmos: A) quem somos, qual o sentido da existência, existe ou não um potencial de amor ilimitado no ser humano [metafísica]; B) o bem, o mal, a beleza, as dores dos homens, os condicionalismos, as tendências e as aversões da psique individual e colectiva [o mundo]; C) a participação do homem entre pares ou o homem na pólis e/ou na República [a democracia].
Pegando nesta última premissa, posso acrescentar que «As Flores do Bem» também agrega um «Manifesto aos Povos do Mundo – Imperadores, Reizinhos e Chefetes». Não é um texto originalmente meu, mas um documento posterior à versão primordial que ajudei a organizar em conjunto com o colega Nicollas Croynder. Faço esta ressalva porque o «Manifesto» original é um discurso oral, um discurso de rua, um discurso das praças, como existiram tantos no passado noutras épocas conturbadas da nossa História. E por isso mesmo eu próprio não posso dizer muito mais porque considero o «Manifesto» perigoso. Por último, como autor e expressando-me sempre em primeira instância livre de qualquer filiação, naturalmente que possuo (como qualquer cidadão) simpatias. Neste livro, assumo a minha ligação ao movimento Ultrarrealista nas artes e na cultura como uma corrente assumidamente contra-cultural. Sempre gostei de movimentos contra-cultura, fosse nos anos 20/30, nos anos 60/70 (século XX) ou em centúrias pretéritas. Gosto naturalmente e considero-os essenciais à evolução das mentalidades e do mundo.
2-Enquanto poeta, quais são os outros autores que, de alguma forma, o influenciaram?
R-É, francamente, difícil isolar referências. É, sobretudo, complicado fazê-lo separando poetas que tocam o âmago da nossa existência – como se fosse uma dimensão apartada – das remanescentes experiências da nossa vida. Mesmo porque, e acredito nesta visão firmemente, encontro poesia nos fenómenos e leis da Natureza, no sorriso das pessoas, na sua compaixão, na beleza do mundo – ou nos seus aparentes opostos crepusculares e nebulosos – , em tantos e múltiplos aspectos daquilo a que chamamos «estar vivo». Se quisesse fazê-lo de forma biográfica ou minimamente cronológica, teria primeiro que tudo referir a minha mãe, poetisa popular (de acordo com as convenções). Ou o meu avô, poeta popular, letrista, director do Rancho Folclórico e senhor de tantos outros ofícios na nossa aldeia, perto de Fátima. A aldeia deles que acabou por ser minha também. Depois, como meio mundo – com certeza meio mundo no contexto daquilo que eram as classes minimamente privilegiadas – tinha «Os Lusíadas» em casa. Umas versões grossas em capa de pele, edições comemorativas da Escola Naval ( o meu pai era militar). Outras menos rebuscadas e até um busto em pau de África de Camões. Depois, os vinis do Zeca Afonso. Aquelas canções eram poesia para os meus ouvidos. Mesmo muito miúdo, ficava arrepiado. Depois e depois entraram tantas coisas e tanta gente. Provavelmente, seria injusto para toda essa gente fazer uma selecção. Não me podendo esquivar a fazê-lo inteiramente – se não que sentido faria responder a uma entrevista? – , talvez destaque Rimbaud. Porque o francês, com um talento superlativo, arrasou o pior que ainda alimentamos nesta sociedade, o pior a que ainda damos azo num lado maquinal, consumista, vazio, burguês (sem querer bater no ceguinho, mas é verdade) e niilista do Homem. Em simultâneo, Rimbaud possuía uma vincada busca metafísica e do próximo, escrevendo algo cirúrgico como «Eu sou um Outro». Poderia nomear Blake, Whitman, Goethe, Pessoa, Pascoaes, Neruda, Sophia, Natália, Llansol. E tanta gente ficaria de fora. Como teria a obrigação de referir alguns poetas associadas ao rock n´roll: Jim Morrison, Bob Dylan ou Patti Smith. Também gosto muito da Adília Lopes, mas há muito que não leio nada dela. E naquela esfera previamente citada: Kabir, Rumi, Tagore. Ou mesmo um poema tão simples quanto belo do nosso Agostinho da Silva – «Crente é pouco sê-te Deus/ e para o nada que é tudo/ inventa caminhos teus”.
3-Depois do romance e da poesia, o que seguirá na sua escrita?
R-Já escrevo há algum tempo e encontra-se em fase de finalização um livro mais associado ao género «fantástico», algo um pouco mais sombrio, um pouco mais tenebroso em ambientes, personagens e narrativa. Chama-se «Novelas do Purgatório». Creio que é um livro com bastante sentido de humor, tem muita sátira social e eu – pelo menos – tenho-me divertido bastante no processo de escrita. Também escrevo com o colega Nicollas Croynder uma obra de ficção centrada em duas personagens: Max e Diógenes. Ou Max Hoffmann e Diógenes O Novo para ser mais preciso. No fundo, dois vagabundos, dois proscritos que dão voz à Voz do Povo. Max e Diógenes representam um retrato estereotipado da contestação social através de figuras de linguagem nas artes e na literatura. As personagens Max e Diógenes revelam conteúdos inconscientes do comportamento reprimido e que levam à catarse colectiva em busca de Revolução. Também com o Nicollas – e já trabalhamos nisso há algum tempo – continuamos a desenvolver os vários capítulos e livros de uma trilogia que será simultaneamente ficção científica e romance histórico. E nasceu um livro colectivo muito cativante porque é uma reflexão conjunta de cerca de 12 ou 13 autores sobre o mundo e a democracia abarcando questões que nos abrangem a todos nós, cidadãos. Contudo, é algo sobre o qual – até por ser uma obra plural e a seguir ainda vários trâmites – não faz sentido adiantar grande coisa para já. Talvez apenas isto em modo spoiler e estarei a citar uma colega que integra o livro: «A Democracia Participativa elimina o populismo».
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Raphael Yudin
As Flores do Bem
Edições Trebaruna 13€