Quem está contra a escola?
Agora que se aproxima mais um ano escolar, o momento parece oportuno para uma reflexão séria e aprofundada sobre o universo escolar e os seus actores – internos (alunos, professores, pessoal auxiliar) e externos (pais, políticos, sindicatos, meios de comunicação social).
Nos últimos anos a escola tornou-se uma arena política e nessa inversão do papel social muita responsabilidade pode ser assacada ao primeiro Governo de José Sócrates e especialmente à sua ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, curiosamente uma mulher da Academia (professora associada do ISCTE).
A escolha dos professores como classe “a abater” enquanto estratégia de afirmação política (tentando passar a mensagem de que o governo não pactuaria nem cederia a pressões e interesses de grupo), aliada ao estilo autoritário e conflituoso da ministra, provocaram o maior combate político contra um grupo profissional de que há memória nos tempos mais recentes (convém não esquecer o braço-de-ferro da ex-ministra do PSD Leonor Beleza com os médicos, a propósito da prescrição de genéricos) – que só acalmou com o afastamento de Maria de Lurdes Rodrigues e a sua substituição por uma personalidade bastante mais serena e “simpática” aos olhos da opinião pública.
Os resultados foram, como todos sabemos, desastrosos, e a diversos níveis. Em termos políticos, levou José Sócrates a sofrer várias derrotas e um enorme desgaste; mas, em termos sociais, esta “guerra” teve também consequências que importa analisar: a união de um grupo enquanto corpo (recordando o conceito marxiano de “classe para si”), “esquecendo” as diferenças (especialmente) políticas (por quanto tempo?), forçado a responder (defender-se) a agressões simultâneas, vindas de várias direcções.
É que o ataque político desferido contra os professores resultou, também, na explosão de um mal-estar há muito latente (às vezes mais do que isso) no interior das escolas e na relação destas com a comunidade. Foi o escape “consentido” para a libertação de tensões sociais acumuladas. Os distúrbios sucederam-se a uma velocidade estonteante – assistimos, incrédulos, a relatos e vídeos no YouTube de alunos a agredir professores na sala de aula, pais a atacar violentamente docentes, violência descontrolada dentro e fora das escolas. Estava aberta a caixa de Pandora. Era já demasiado tarde para voltar atrás através de louvores aos bons professores, ou galardões para o melhor do ano.
A comunidade (uma parte dela), que durante anos acumulou frustrações e queixas de professores que “faltam às aulas”, “estão sempre em greve”, “ensinam mal”, “não querem saber dos miúdos” – só para citar as acusações mais frequentes que o senso comum transformou em dogma – reviu-se no estigma lançado pelos governantes e apoderou-se dele. O desfecho é por demais conhecido.
Qual o papel dos professores em todo este jogo social? Importa saber até que ponto são apenas vítimas da série de equívocos por que tem passado o sistema de ensino português, das políticas para o sector, da desestruturação social de alunos e suas famílias, do fechamento à comunidade. Apenas vítimas?
Há muito que académicos se dedicam ao estudo das questões de fundo subjacentes ao universo escolar, nomeadamente no âmbito da Sociologia da Educação. Entre os que têm obra recente merecem destaque Sérgio Grácio e José Manuel Resende, entre outros.
José Manuel Resende, sociólogo, investigador e professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL) publicou recentemente um interessantíssimo estudo, de enorme actualidade: “A Sociedade Contra a Escola? A Socialização Política Escolar num Contexto de Incerteza”.
Académico que tinha já dedicado a sua tese de Doutoramento precisamente aos professores (“O engrandecimento de uma profissão: os professores do ensino secundário público no estado novo”, Fundação Calouste Gulbenkian), analisa agora os processos de socialização política nas escolas secundárias.
Através do estudo de quatro escolas contrastantes entre si – social, cultural e geograficamente – José Manuel Resende analisa o papel social dos diferentes actores e a forma como cada um se vê e vê a escola. Em causa está não só a transmissão/recepção de saberes, mas também o trabalho que deve ser realizado no âmbito de uma Educação para a Cidadania, pela qual passa a socialização política.
Mas, como o estudo revela, a escola não tem evoluído como um espaço propício ao desenvolvimento dessa (sobretudo idealizada) cidadania activa (e a “responsabilidade” não pode ser apenas assacada aos governos de José Sócrates…).
A escola, enquanto arena pública de actuação de diferentes colectivos (recorde-se Thévenot e Boltanski), é, também, palco de disputas face às diferentes representações manifestadas pelos actores sociais internos (alunos, professores) e externos (pais, técnicos, políticos, meios de comunicação social), todos eles com visões, discursos e gramáticas diferentes e na maioria das vezes opostas.
Estas diferentes visões do mundo (e da vida) transportam uma “cultura escolar” a que os professores têm de dar resposta (fazer frente?) e para a qual não estão muitas vezes preparados – ao que não é alheio o sentimento de desânimo que perpassa pelas páginas do livro, fruto do conjunto de entrevistas realizadas a docentes (o guião da entrevista está em anexo).
Ao analisar a realidade destas quatro escolas enquanto modelo, José Manuel Resende aponta precisamente a divergência sociopolítica e educativa que os professores enfrentam.
“A Sociedade Contra a Escola?…” é sem dúvida um instrumento de reflexão para todos quantos se interessam pelo ensino e desejam perceber por que falha a escola enquanto local privilegiado de educação para a cidadania.
Nos últimos anos a escola tornou-se uma arena política e nessa inversão do papel social muita responsabilidade pode ser assacada ao primeiro Governo de José Sócrates e especialmente à sua ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, curiosamente uma mulher da Academia (professora associada do ISCTE).
A escolha dos professores como classe “a abater” enquanto estratégia de afirmação política (tentando passar a mensagem de que o governo não pactuaria nem cederia a pressões e interesses de grupo), aliada ao estilo autoritário e conflituoso da ministra, provocaram o maior combate político contra um grupo profissional de que há memória nos tempos mais recentes (convém não esquecer o braço-de-ferro da ex-ministra do PSD Leonor Beleza com os médicos, a propósito da prescrição de genéricos) – que só acalmou com o afastamento de Maria de Lurdes Rodrigues e a sua substituição por uma personalidade bastante mais serena e “simpática” aos olhos da opinião pública.
Os resultados foram, como todos sabemos, desastrosos, e a diversos níveis. Em termos políticos, levou José Sócrates a sofrer várias derrotas e um enorme desgaste; mas, em termos sociais, esta “guerra” teve também consequências que importa analisar: a união de um grupo enquanto corpo (recordando o conceito marxiano de “classe para si”), “esquecendo” as diferenças (especialmente) políticas (por quanto tempo?), forçado a responder (defender-se) a agressões simultâneas, vindas de várias direcções.
É que o ataque político desferido contra os professores resultou, também, na explosão de um mal-estar há muito latente (às vezes mais do que isso) no interior das escolas e na relação destas com a comunidade. Foi o escape “consentido” para a libertação de tensões sociais acumuladas. Os distúrbios sucederam-se a uma velocidade estonteante – assistimos, incrédulos, a relatos e vídeos no YouTube de alunos a agredir professores na sala de aula, pais a atacar violentamente docentes, violência descontrolada dentro e fora das escolas. Estava aberta a caixa de Pandora. Era já demasiado tarde para voltar atrás através de louvores aos bons professores, ou galardões para o melhor do ano.
A comunidade (uma parte dela), que durante anos acumulou frustrações e queixas de professores que “faltam às aulas”, “estão sempre em greve”, “ensinam mal”, “não querem saber dos miúdos” – só para citar as acusações mais frequentes que o senso comum transformou em dogma – reviu-se no estigma lançado pelos governantes e apoderou-se dele. O desfecho é por demais conhecido.
Qual o papel dos professores em todo este jogo social? Importa saber até que ponto são apenas vítimas da série de equívocos por que tem passado o sistema de ensino português, das políticas para o sector, da desestruturação social de alunos e suas famílias, do fechamento à comunidade. Apenas vítimas?
Há muito que académicos se dedicam ao estudo das questões de fundo subjacentes ao universo escolar, nomeadamente no âmbito da Sociologia da Educação. Entre os que têm obra recente merecem destaque Sérgio Grácio e José Manuel Resende, entre outros.
José Manuel Resende, sociólogo, investigador e professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL) publicou recentemente um interessantíssimo estudo, de enorme actualidade: “A Sociedade Contra a Escola? A Socialização Política Escolar num Contexto de Incerteza”.
Académico que tinha já dedicado a sua tese de Doutoramento precisamente aos professores (“O engrandecimento de uma profissão: os professores do ensino secundário público no estado novo”, Fundação Calouste Gulbenkian), analisa agora os processos de socialização política nas escolas secundárias.
Através do estudo de quatro escolas contrastantes entre si – social, cultural e geograficamente – José Manuel Resende analisa o papel social dos diferentes actores e a forma como cada um se vê e vê a escola. Em causa está não só a transmissão/recepção de saberes, mas também o trabalho que deve ser realizado no âmbito de uma Educação para a Cidadania, pela qual passa a socialização política.
Mas, como o estudo revela, a escola não tem evoluído como um espaço propício ao desenvolvimento dessa (sobretudo idealizada) cidadania activa (e a “responsabilidade” não pode ser apenas assacada aos governos de José Sócrates…).
A escola, enquanto arena pública de actuação de diferentes colectivos (recorde-se Thévenot e Boltanski), é, também, palco de disputas face às diferentes representações manifestadas pelos actores sociais internos (alunos, professores) e externos (pais, técnicos, políticos, meios de comunicação social), todos eles com visões, discursos e gramáticas diferentes e na maioria das vezes opostas.
Estas diferentes visões do mundo (e da vida) transportam uma “cultura escolar” a que os professores têm de dar resposta (fazer frente?) e para a qual não estão muitas vezes preparados – ao que não é alheio o sentimento de desânimo que perpassa pelas páginas do livro, fruto do conjunto de entrevistas realizadas a docentes (o guião da entrevista está em anexo).
Ao analisar a realidade destas quatro escolas enquanto modelo, José Manuel Resende aponta precisamente a divergência sociopolítica e educativa que os professores enfrentam.
“A Sociedade Contra a Escola?…” é sem dúvida um instrumento de reflexão para todos quantos se interessam pelo ensino e desejam perceber por que falha a escola enquanto local privilegiado de educação para a cidadania.
_____________________
José Manuel Resende
A Sociedade Contra a Escola? A Socialização Política Escolar num Contexto de Incerteza
Instituto Piaget, 18,89€