Quando um homem se põe a pensar

O problema só se põe por isso mesmo, porque o homem pensa quando se interroga sobre o porquê e o como de pensar – sobre si mesmo, mas também sobre tudo o que o rodeia. E, por esse caminho, a capacidade (inata ou desenvolvida e, em qualquer dos casos, em que proporção?) de condicionar o que pensa e como pensa. E porquê e para quê.
O que nos põe a pensar é o mais recente livro de António Damásio, o sempre fascinante investigador das neurociências que levou a psicologia para o campo das ciências aplicadas (e vice-versa), nunca renunciando ao que a consciência humana, a construção intelectual, proporcionam no domínio teórico.
O cientista explica, de resto, que os estudos sobre os aspectos neurobiológicos da mente consciente têm avançado com base na observação directa da mente consciente individual, na perspectiva comportamental e na perspectiva do cérebro, aqui englobando indivíduos de consciência presente ou ausente.
Mas, alerta, porque há um desfasamento entre os dados obtidos a partir de uma introspecção na primeira pessoa e os obtidos pelo estudo de fenómenos cerebrais, enveredou por uma quarta perspectiva, que “exige uma alteração radical na forma de encarar e de relatar a história das mentes conscientes”. Ou seja, trata-se de buscar antecedentes do eu e da consciência do processo evolutivo – e aí entram os factos da biologia e da neurobiologia evolutivas.
Por detrás de tudo isto estão as duas perguntas de tese: como é que o cérebro constrói uma mente e como é que a torna consciente? Na abordagem de Damásio, a questão do eu é um dos problemas mais importantes (o que se evidencia no título da edição inglesa: “Self Comes to Mind: Constructing the Conscious Brain”).
A mente, por exemplo, com actividade reconhecida ao longo de milhões de anos, mas com reconhecimento que o investigador reduz aos casos em que se desenvolveu um eu capaz de agir como testemunha dessa mente, com desenvolvimento de linguagem e com possibilidade de contar a sua história.
“Uma mente que não seja testemunhada por um eu protagonista não deixa de ser uma mente”, explica António Damásio. Mas, ressalva, “o eu é a nossa única forma natural de apreender a mente”, e por isso dependemos absolutamente da “presença, capacidade e limites do eu”.
É um processo de elaboração mental, este, a respeito da mente e da consciência, que leva por caminhos muito diversos, como por exemplo o da limitação, ou não, dos pontos mais baixos da escala da consciência ao ser humano. “É provável que estejam presentes em numerosas espécies com cérebro suficientemente complexo para os desenvolver”, sustenta o neurocientista.
Se por vezes a obra pode parecer demasiado especializada, o interesse da leitura, com resposta a muitas das questões que o homem suscita quando se põe a pensar (sobre si próprio e o mundo à sua volta), é mais do que suficiente para alguém se embrenhar numa leitura atenta, ainda que prolongada. Com certeza proveitosa.
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António Damásio
O livro da consciência – A construção do cérebro consciente
Temas e Debates/Círculo de Leitores, 23,90€