Quando as donzelas morrem de amor

Há livros em que pegamos sem grande expectativa, mas ao embrenharmo-nos na leitura despertam-nos uma tal curiosidade e interesse que não conseguimos largá-los antes do fim. É assim com “O Pavilhão das Peónias”, de Lisa See.
Donzelas que deixam de comer, morrem de amor e se transformam em fantasmas não parece, à partida, muito entusiasmante. Puro engano. Mergulhar na história da China do século XVII através da vida de uma jovem que decide escapar ao casamento combinado pela família e, à semelhança da heroína da ópera “O Pavilhão das Peónias”, morrer de amor para se transformar num fantasma e encontrar o seu amor revela-se uma surpresa entusiasmante.
Lisa See parte de dados verídicos para construir um romance sensível, onde realidade e ficção se entrelaçam nas devidas proporções.
Abarcando a queda da dinastia Ming e a chegada ao poder dos invasores manchu, que fundam a dinastia Qing após um período de grande violência, “O Pavilhão das Peónias”, a ópera de Tang Xianzu que serve de base ao romance, é a primeira obra chinesa em que uma heroína escolhe o seu destino – mesmo que para isso tenha de morrer – e inspirou muitas jovens prometidas a seguir o seu exemplo e a ficarem doentes de amor, através do que hoje chamamos anorexia, deixando de comer como uma forma de revolta e de emancipação.
Enquanto definhavam, escreviam poemas de amor que muitas vezes eram publicados após a sua morte. É o que se passa com Chen Tong, a Peónia do romance de See, bem como com as duas esposas seguintes do seu marido, que escrevem um dos livros mais aclamados da época e o primeiro escrito e publicado por mulheres em todo o mundo: O Comentário das Três Esposas.
Neste período de convulsão social e política, os homens retiraram-se dos afazeres públicos em sinal de protesto e deixaram os “portões abertos” às mulheres que, relativamente libertas, empreendem uma série de iniciativas, aparecendo muitas delas como escritoras, pintoras, guerreiras.
Mas apesar de todo o fervor intelectual de então, rapidamente obras como aquelas começam a ser contestadas e, sobretudo, o acesso a elas por parte das mulheres, que acabam por voltar a ser circunscritas aos domínios interiores da casa e às tarefas que lhes estão destinadas.
Mais uma vez, as mulheres, que eram trocadas e vendidas a peso como peixe e que tinham menos valor que o sal, voltam ao seu lugar subalterno, só lhes restando como último sinal de revolta ficarem doentes de amor.
Livro fascinante, “O Pavilhão das Peónias” provoca, sem dúvida, uma leitura compulsiva.

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Lisa See
O Pavilhão das Peónias
Bizâncio, €15,00