Impossível parar de ler
CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha
Mais um conjunto de ensaios maravilhosos de John Berger, impossível parar de ler, impossível não sorrir a cada meia página. De como nos afastamos do essencial, de como nos julgamos deuses quando somos animais e o esquecemos quotidianamente. De divino temos pouco, por muito que nos tentemos enganar. Até nas origens sobrevalorizamos o que não conseguimos provar, com a notável excepção da poesia: “Talvez seja objectivamente verdadeiro só a poesia pode falar do nascimento e da origem. Porque a poesia verdadeira invoca a totalidade da linguagem (ela respira com tudo o que não disse), tal como a origem invoca a totalidade da vida, o todo do Ser.”
O nosso mistério, todo o mistério, é tão marcado pelo antes, como pelo depois: “Silesius, de regresso a Cracóvia, depois de deixar Estrasburgo, escreveu: `Deus está ainda a criar o mundo. Parece-vos isso estranho? Têm de pressupor que nele não há antes nem depois, há o aqui.`”
Talvez a criação nos salve da eterna separação a que estamos destinados pela finitude e pelo nascimento: “O nascimento dá início ao processo de aprendizagem da separação…o acto da criação implica uma separação. Algo que permanece preso ao criador é apenas uma meiia criação. Criar é deixar que algo que não existia assuma controlo, e por isso é novo. E o novo é inseparável da dor, pois está sozinho.”
A nós, os sós e indefesos, resta-nos olhar com assombro os animais, resta-nos criar quando podemos, pois “todas as linguagens da arte foram desenvolvidas como uma tentativa de transformar o instantâneo em permanente.”
E mais e mais: o ensaio “Os comedores e o comido”, com as diferenças entre as mesas dos camponeses e dos burgueses, sem deixar que a política se interponha na prosa.
E a questão essencial que nos assalta ainda na infância quando estamos sós na nossa cama e não dormimos pois a morte está à espera e chegamos à conclusão que vamos deixar de existir e nesse instante tomamos a decisão suprema: “- A minha primeira decisão – disse – foi não morrer. Decidi, quando era criança, doente e de cama, com a morte a rondar, que queria viver.”
Assim todos nós.
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John Berger
Porquê Olhar os Animais?
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