Pio XII: “Um exímio diplomata e um excepcional ser humano”

P-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro «Pio XII-O Papa Amigo do Portugal de Salazar»?
R- A ideia que esteve subjacente à escrita deste livro  sobre «Pio XII» foi a de aproveitar todo o rico manancial de informação e de «confusão» que gravita à volta deste Pontificado e dá-lo a conhecer ao público português. Repare-se que os assuntos da II Guerra Mundial e da magna questão dos judeus é presença assídua nas nossas livrarias. Todos os meses nos fazem chegar títulos, de autores estrangeiros, sobre o assunto da II Guerra Mundial, do nazismo, de Hitler. Mas (quase) ninguém se lembra (a não ser em mera «nota de rodapé») de abordar um dos mais ricos e frutuosos pontificados do século XX. Menos ainda, e com pena o afirmo, obras que tratem estas questões devidamente relacionadas com o contexto nacional. É esta lacuna que a Casa das Letras, do grupo LeYa, em boa hora abraçou e que agora está à disposição dos leitores. Em suma, um livro sobre uma figura e época fascinantes, mas sem esquecer de tratar, com algum pormenor, os assuntos que se relacionam com Portugal e os Portugueses. Afinal, jamais se consegue compreender o Papa Pio XII sem uma referência obrigatória para Fátima. Aliás, Fátima e Portugal, claro; uma vez que não se pode referir um, sem falar no outro.

P-No contexto do conturbado século XX, quais os elementos mais marcantes da acção de Pio XII entre 1939 e 1958?
R- Pio XII apenas pode ser devidamente compreendido se o contextualizarmos na sua época. Afinal, cada homem é sempre ele e a sua circunstância. Pio XII, o antigo Cardeal Pacelli, não foge à regra. Pio XII, do meu ponto de vista, foi preparado desde tenra idade para ser Papa. Isto pode escandalizar alguns, mas toda a formação humana, intelectual, diplomática e sempre em missão ao serviço da Igreja Católica a isso o destinou. Aliás, foi sem grande surpresa que, após a morte de Pio XI, o então Cardeal Pacelli, uma espécie de «braço direito» daquele Papa, foi anunciado como sucessor ao trono pontifício. Pio XII foi um exímio diplomata e um excepcional ser humano com sensibilidade e intuição políticas notáveis.

P-Como caracterizaria a sua relação com Portugal?
R- O Papado sempre teve uma particular relação com Portugal. Aliás, o Bilhete de Identidade da Nação Portuguesa foi passado pelo Papa, através da célebre Bula Manifestis probatum, no século XII. A essência da Portugalidade está profundamente marcada pelos Papas e pela Igreja Católica, sem esquecer a devoção mariana. E quando se fala de Pio XII,  precisamos de recordar que este Homem tem a sua vida cheia de episódios extraordinários e com uma particular ligação a Portugal e à devoção que se tornou global no século XX: Nossa Senhora e a Mensagem de Fátima. Vejamos alguns desses episódios. Pio XII foi ordenado Bispo no dia da primeira Aparição de Fátima, a 13 de Maio de 1917. A 31 de Outubro de 1942, no 25.º aniversário das Aparições, numa radiomensagem em Português, consagrou o Mundo ao Imaculado Coração de Maria. Não podendo estar em Fátima, por causa da Guerra, Pio XII enviou um Legado à Coroação da imagem de Nossa Senhora (13 de Maio de 1946) e outro ao encerramento oficial do Ano Santo (13 de Outubro de 1951), ao Santuário, e fez uma nova Consagração – com uma referência explícita à Rússia -, a 7 de Julho de 1952. No ano de 1950, o próprio Pio XII terá presenciado, nos jardins do Vaticano, o «Sol a girar», um fenómeno semelhante àquele que os peregrinos portugueses tinham observado em Outubro de 1917, o chamado «Milagre do Sol», na Cova da Iria… Em suma, uma particular relação de proximidade e de uma verdadeira «Deuscidência», associada com Portugal e o seu símbolo maior de identidade global: Fátima.

P-E com Salazar e o regime do Estado Novo?
R- Uma questão mais «melindrosa». Pio XII, mesmo antes de ser eleito Papa, conhecia bem Portugal. Conhecia o Portugal do antes e depois de Oliveira Salazar. Já com Salazar no poder, o então Cardeal Pacelli, futuro Pio XII, acompanhou a complexa negociação da Concordata entre o Estado Português e a Santa Sé. O Papa, nessa altura, era PIo XI. Pacelli, conhecia bem o Portugal de Salazar e os Portugueses. Além do mais, o fenómeno de Fátima tinha permitido que no Vaticano os assuntos portugueses fossem sempre tratados com cuidado. Havia, claramente, uma relação de respeito mútuo entre Salazar e o Papa. Afinal, Salazar havia pacificado a complexa «guerra religiosa» trazida pela I República. Salazar conhecia bem as posições católicas sobre a «modernidade». Além do mais, Salazar, como antigo militante e mesmo dirigente do Centro Católico Português, conhecia bem a Doutrina Social da Igreja. Tanto Pio XII, como Salazar tinham uma «intuição» política excepcional. E essa «intuição» permitiu que a relação institucional fosse da maior cordialidade entre ambas as figuras. Havia, se quisermos, uma clara relação de respeito. Uma relação de respeito institucional por um povo e um país que o Papado reconhecia como católicos e respeitadores da autoridade moral do Papado. Mais: Pacelli, enquanto colaborador próximo do seu antecessor, Pio XI, havia conhecido bem o Portugal de Salazar, especialmente aquando da demorada e atribulada negociação da Concordata, assinada em 1940, já com Pio XII como Pontífice. Nessa altura, ainda era Pio XI o Pontífice, o Papa teria acusado Oliveira Salazar de ser uma «encarnação do diabo». Mas tanto Pio XI como Pio XII sabiam separar as autoridades do País do seu povo e percebiam que as relações institucionais, entre o Estado Português e o Vaticano, tinham de ser cordiais, para bem de todos, especialmente dos católicos portugueses.

P-Pio XII teve uma relação especial com Fátima: como a podemos caracterizar?
R- Pio XII cmpreendeu a verdadeira essência da mensagem fatimita. Não apenas pela sua tradicional devoção mariana, mas por perceber que a mensagem transmitida aos três Pastorinhos, na Cova da Iria, era uma mensagem de cariz universal. Mais: era um mensagem para todos os tempos e épocas e não apenas restrita aos anos da Grande Guerra (1914-1918). O ano de 1917 e seguintes, de acordo com uma mundividência Cristã, significava algo de novo, uma «nova era». Pio XII compreendeu-o muito bem.  E Fátima teve o seu contributo! Além do mais, Pio XII é o verdadeiro «Papa de Fátima», epíteto que o futuro João Paulo II (1978-2005) acabou por arrebatar ao longo do seu Pontificado e que o tornou como um «Apostólo e Pastorinho de Fátima». Contudo, essa designação de «Papa de Fátima» pertence, por inteiro, a Pio XII.

P-A sua investigação deseja também repor a verdade sobre Pio XII: que novos dados traz para a compreensão do seu legado?
R- O Papa Pio XII viveu num dos mais complexos períodos do conturbado século XX. Exerceu as mais extraordinárias missões e acompanhou a História desta época não apenas como espectador, mas como actor. Foi actor principal no meio do terror nazi e desde o início da afirmação do movimento nacional-socialista, na Alemanha, na qualidade de Núncio Apostólico e de colaborador directo do Papa Pio XI, mas, também, protagonista no meio da devastação monumental da II Guerra Mundial, como Chefe da Igreja Católica. O nome de Pio XII, na época em que lhe foi dado viver, esteve – e está –, segundo alguns, associado aos actos mais heróicos de alguém que, mesmo com o risco da própria vida, defendeu o povo judeu como ninguém. O Vaticano, na altura do conflito mundial, foi um dos lugares mais seguros para os hebreus, que fugiam da perseguição nazi e ali encontraram protecção exemplar, inclusive nos aposentos do próprio Pontífice. Para outros, contudo, o nome de Pio XII evoca o cinismo mais cruel de alguém que, como Chefe da Igreja Católica e Chefe de Estado, deveria ter defendido, publicamente, aquele povo perseguido pelo nazismo, denunciado o cruel crime de que foi alvo; porém, terá optado pelo silêncio cúmplice. Há uma série de perguntas que continuam na mente de muitos. O que é que Pio XII sabia sobre o regime nazi na Alemanha? E será que fez o suficiente para o combater? Pio XII terá feito o suficiente para salvar os judeus de serem massacrados pelos nazis, tanto em Roma como no resto da Europa? Estas e outras questões continuam em aberto, mas podem ser devidamente esclarecidas neste livro em boa hora lançado pela Casa das Letras, uma chancela editorial do grupo Leya.
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José Carvalho
Pio XII: O Papa Amigo do Portugal de Salazar
Casa das Letras  22,20€

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