Pedro Bidarra: “Um acervo de histórias fantásticas”

1-No ano do centenário de José Saramago, qual o principal legado do escritor?
R-Saramago deixou-nos um acervo de histórias fantásticas: originais, inusitadas, com múltiplas camadas de leitura e contadas com uma voz sonora, prolixa, compreensível (caso raro), às vezes irritantemente moralista e militante, mas absolutamente singular. Escrever uma história que ninguém escreveu, contando-a de um modo que ninguém contou é o sonho de qualquer escritor que se preze. Saramago fê-lo várias vezes com um estilo, técnica e ritmo por si criados, reinventando e subvertendo regras e convenções à sua voz; um exemplo de individualismo estético e estilístico, de criatividade e coragem em encontrar um caminho não antes trilhado. Infelizmente este exemplo, o da originalidade, não é o mais valorizado pelo meio literário pós-Saramago, que antes escolheu copiar ad nauseam a voz e os assuntos do autor, convertendo-os num cânone repetido como evangelho de estilo e propagado por autores e editores lambedores do cu do grande escritor. O outro legado de Saramago aos portugueses, aos que lêem e aos que não lêem, foi o prémio Nobel. Quem, fazendo parte da tribo lusitana, anda e trabalha pelo mundo tendo de se haver com membros de outras tribos, precisa, amiúde, para se dar ao respeito, de se fazer acompanhar de contemporâneos heróis lusitanos com gravitas intelectual, um género de português que escasseia. (Dos outros, já temos um futebolista que faz anúncios a champô contra a caspa, oleosidade e bactérias.) O Saramago de fraque de gala na cerimónia de entrega do Nobel, é um desses heróis.

2-Qual é o seu livro preferido escrito pelo nosso Nobel?
R-O meu livro preferido é o Memorial do Convento.

3-Razões dessa escolha?
R-Um épico com ideias, situações, personagens e enredos tão bons, que até os apartes militantes e moralistas do narrador deixam de irritar.
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Pedro Bidarra, Escritor