Paulo Nuno Vicente: “Alargar e densificar o debate cívico informado sobre as tecnologias de Inteligência Artificial”

1-Qual foi a ideia que esteve na origem deste seu livro «Os Algoritmos e Nós»?
R-A obra parte do reconhecimento de uma necessidade central: alargar e densificar o debate cívico informado sobre as tecnologias de Inteligência Artificial (IA) e, muito especialmente, sobre a sua adoção em domínios da vida pública particularmente sensíveis como a educação, a justiça, o trabalho, a segurança e a justiça, entre outros. Num primeiro momento, o livro procura contribuir para a consolidação de uma literacia sobre IA, procurando tornar acessível o conhecimento sobre diferentes abordagens científicas e tecnológicas; de seguida, é aprofundada a discussão em torno de casos específicos, bem como de temas ainda pouco discutidos entre nós, como o impacto ambiental da IA ou o trabalho humano “invisível” que suporta estes empreendimentos tecnológicos.

2-A palavra algoritmo entrou no vocabulário do cidadão normal: mas, de que é que estamos efectivamente a falar quando falamos de Algoritmos?
R-A obra propõe três “camadas” na compreensão do que um algoritmo é e faz: em primeiro lugar, um algoritmo é um conceito matemático, uma fórmula num processo de cálculo; num segundo nível, desde a invenção da computação digital, ele corresponde igualmente à tradução dessa abstração matemática com o fim de instruir componentes microeletrónicos que dialogam com programas de computador; o livro apresenta uma terceira via, cumulativa, que designo de sociotécnica: ela mais não é do que a formalização do reconhecimento de que os algoritmos são hoje agentes na vida social e que, como tal, é fundamental o desenvolvimento de um pensamento e de um estudo sociológico e antropológico destes sistemas. Em síntese: as Ciências Sociais e Humanas não devem permanecer arredadas deste domínio que, na sua essência, é profundamente cultural.

3-Que riscos correm os cidadãos se as organizações como o Facebook e a Google (ou outras semelhantes) continuarem a explorar e a manipular o enorme volume de dados que deixamos na Internet ao longo dos dias?
R-A World Wide Web e, em particular, a “região” das plataformas sociais é hoje a maior área de prospeção, recolha, tratamento e comercialização da matéria-prima essencial à socioeconomia digital global: os dados e os metadados. Em 2016, a revista The Economist tornava este fenómeno evidente ao escrever que os dados são o novo petróleo. A obra resume algumas preocupações: a privatização do conhecimento social, lembrando que estas plataformas pertencem a empresas tecnológicas e não a entidades públicas ou estatais, portanto, muito dificilmente permeáveis a uma imediata prestação de contas. Daqui decorre um outro desafio: o da soberania dos estados nacionais na governança das “regiões digitais” e, muito particularmente, das infraestruturas críticas que as suportam: nenhum estado nacional por si dispõe do capital tecnológico e humano que as grandes empresas tecnológicas detêm; além de inúmeras questões decorrentes – a da privacidade, manipulação ou indução de comportamentos, circulação de informações não verificadas, entre outras – uma particularmente relacionada com o domínio da IA tem que ver com a sustentabilidade ambiental. A obra contraria a ideia feita de que “o digital desmaterializa”; não é absolutamente rigorosa essa ideia: em rigor, o digital rematerializa e depende de enormes centros de processamento de dados; contudo, tal não é imediatamente perceptível aos utilizadores. Por estas e por diversas outras razões que a obra aprofunda, torna-se essencial a capacidade de regulação, à semelhança do que aconteceu com tecnologias anteriores – a energia nuclear, a edição genética, por exemplo. A meu ver, é um passo crítico para a defesa do estado de direito e da democracia liberal.
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Paulo Nuno Vicente
Os Algoritmos e Nós
Fundação Francisco Manuel dos Santos  4,50€

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