Paulo Nogueira: “Como é óbvio, é um bico de obra dizer o que traz a felicidade”

Paulo Nogueira é um autor brasileiro nascido em São Paulo. Estudou na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Durante mais de 25 anos viveu na Europa: Portugal, Inglaterra e Noruega. Em Portugal, foi cronista, crítico literário e crítico de cinema nalgumas das mais importantes publicações portuguesas. A sua obra está repartida por ficção, crónica e ensaio. Acaba de lançar o seu último romance: Era uma vez tudo. Por cá tinha já editado um interessante ensaio: Todos os Lugares são de Fala-Manifesto pela Liberdade de Expressão. Em Maio sai novo e aguardado ensaio: O Cancelamento do Ocidente.
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O que é para si a felicidade absoluta?
Será que isso existe, ou a sua condição para  existir é ser intermitente? Mais ou menos como nos filmes dramáticos, que para não entrarem em colapso precisam de um alívio cómico, ou como as comédias, que para continuarem divertidas precisam de pausas conflituosas? Mais ou menos como aquele cliché de que só damos valer ao que perdemos… Até porque foi aí que o ser humano menos progrediu ao longo da história. Estamos à anos-luz dos nossos ancestrais na capacidade de viajar e de nos comunicarmos, na medicina e na ciência. As sociedades hoje são bem menos cruéis e injustas com as maiorias e as minorias, se comparadas com apenas há cem anos. Somos mais ricos e longevos do que nossos antepassados, mas poucos acreditamos que também sejamos muito mais felizes do que eles o foram (basta verificar as taxas atuais de depressão e suicídio). Como para eles, a busca da felicidade tantas vezes nos parece uma caça aos gambozinos. O pensador britânico Terry Eagleton acha que o própria termo “felicidade” é indevido,  uma palavra “frágil, do tipo apropriado para um acampamento de férias, evocativa de sorrisos forçados e saltinhos de alegria”. Os gregos antigos usavam dois conceitos: felicidade e eudaimonia. O primeiro é mais volátil e mundano. O segundo corresponde a um estado de plenitude, viabilizada por uma sabedoria moral que exige virtude e distingue o principal do secundário e proporciona bem-estar físico e espiritual – mas será sempre uma work-in-progress. Nada disso é canja, pois somos seres defeituosos e vulneráveis. Talvez os ingredientes supremos sejam saúde e paz de espírito – a primeira irá forçosamente sucumbir, mas a segunda nos pode acompanhar até ao epílogo. Segundo Freud, as fontes da felicidade são o trabalho, o amor e espiritualidade (precisamos desta  porque somos animais anômalos, não apenas com consciência mas também com autoconsciência – e esta última gera uma nostalgia de absoluto). Mas, como é óbvio, é um bico de obra dizer o que traz a felicidade: tanto a riqueza como a pobreza já fracassaram. E há a questão das relações: nenhum ser humano é uma ilha (nem mesmo os ingleses). Uma definição de “só” é: em má companhia. Se Sartre resmungou que “o inferno são os outros”, convém ressalvar: “Sim, mas o céu também”.

Qual considera ser o seu maior feito?
Tornar-me o que sempre fui: um escritor. Doze livros publicados, até agora.

Qual a sua maior extravagância?
Alinhavar palavras, frases, parágrafos e capítulos num mundo cada vez mais audiovisual e cada vez menos capaz de introspecção.

Que palavra ou frase mais utiliza?
O escritor francês Flaubert cunhou a expressão “mot juste”, ou a palavra exata. Ele também disse que “sinonimos não existem”. Queria dizer que, como a literatura é “só” texto (ao contrário do cinema ou das séries de TV, nela não temos imagens nem sons reais), há que ser o mais preciso possível com as palavras. Por isso, nada de escrever algo como “é necessário descoisar as coisas que estão coisadas”. Por isso mesmo, as palavras que utilizo são sempre ditadas pelo respectivo contexto – quanto mais fiéis, melhor.

Qual o traço principal do seu carácter?
A persistência, que pode degenerar em teimosia.

O seu pior defeito?
A teimosia, que pode se redimir na persistencia.

Qual a sua maior mágoa?
Não ter uma memória de elefante.

Qual o seu maior sonho?
Corresponder realmente às minhas expectativas – mais quimeras que sonho, mas sempre motivadoras.

Qual o dia mais feliz da sua vida?
Amanhã, espero. E depois de amanhã. E… (Com os intervalos chatos, para não se tornar repetitivo e enfadonho)

Qual a sua máxima preferida?
É aquela que muitos filósofos chamaram de “a regra de ouro das civilizações”. Ou seja: faz aos outros aquilo que gostavas que te fizessem a ti.

Onde (e como) gostaria de viver?
Onde a minha familia e os meus amigos estão. Como: em eudominia (se não for mais olhos que barriga).

Qual a sua cor preferida?
Depende no quê. Para roupa, talvez preto. Para céu, talvez azul. Para página, talvez branco (mas só na largada).

Qual a sua flor preferida?
Rosas, mas ao contrário do que diz a Julieta, duvido que se ela tivesse outro continuava a ser tão perfumada.

O animal que mais simpatia lhe merece?
Cães e gatos (não necessariamente juntos).

Que compositores prefere?
Mozart, Charlie Parker, Chico Burque.

Pintores de eleição?
Rembrandt, Matisse.

Quais são os seus escritores favoritos?
Jane Austen, William Faulkner, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa e mais uns muitos e muitas.

Quais os poetas da sua eleição?
T S Eliot, Konstantin Kavafis, Anna Akhmatova, Czeslaw Milosz, Fernando Pessoa.

O que mais aprecia nos seus amigos?
A paciência comigo.

Quais são os seus heróis?
Os meus amigos que são pacientes comigo,  e que não me fazem perder a paciência com eles.

Quais são os seus heróis predilectos na ficção?
Elizabeth Bennett, Leopold Bloom, Riobaldo, Florentino Ariza, Lena Grove, Atticus Finch.

Qual a sua personagem histórica favorita?
Shakespeare.

E qual é a sua personagem favorita na vida real?
Sócrates.

Que qualidade(s) mais aprecia num homem?
A bondade tolerante.

E numa mulher?
A bondade tolerante.

Que dom da natureza gostaria de possuir?
A regeneração.

O que é para si o cúmulo da miséria?
A solidão rancorosa.

Quais as falhas para que tem maior indulgência?
A pressa.

Qual é para si a maior virtude?
O perdão (por azar, é também a mais difícil).

Como gostaria de morrer?
Saudável.

Se pudesse escolher como regressar, quem gostaria de ser?
Eu próprio, mas sabendo escrever muito, muito melhor.

Qual é o seu lema de vida?
Viver cada dia como se fosse o último: um dia eu acerto. (Ou viver cada dia como se fosse o primeiro – talvez também um dia acerte.)
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Paulo Nogueira na “Novos Livros” | Entrevistas