Paulo Leitão: Estamos a viver uma verdadeira “guerra do talento”
1-Qual a ideia que esteve na origem do livro «Transição entre o Mundo Académico e o Mundo Laboral»?
R- Admito que não foi uma ideia espontânea, mas sim algo que foi “crescendo” ao longo da minha carreira em Recrutamento e Selecção. De facto, ao longo das várias experiências que tive a oportunidade de desenvolver, estive sempre exposto, em menor ou maior grau, ao recrutamento de “talento jovem”, ouvindo, de forma consistente, a repetição de duas ideias: 1 – esta geração é a mais bem preparada de sempre para o mercado laboral – ideia ciclicamente repetida a cada geração que lhe sucede -; e, 2 – os jovens recém-diplomados não possuem as competências comportamentais mais desejadas pelos empregadores – de certa forma, representando um desalinhamento entre o mundo académico e o mundo laboral. A resposta para esta aparente contradição foi algo que sempre me despertou interesse. Paralelamente, observava algumas empresas a utilizar as actividades extracurriculares como critério de diferenciação, assumindo que a simples participação numa delas traria, de forma inerente, competências comportamentais adicionais que resultavam num recém-licenciado mais “completo”. Ora, se a premissa de que as actividades extracurriculares podem desenvolver competências comportamentais – que respondam às lacunas identificadas pelos empregadores – me parecia correcta, assumi-la como verdadeira, sem qualquer base empírica, é algo que vai contra um processo de recrutamento que se pretende o mais objectivo possível. Adicionalmente, e no dia-a-dia da minha prática profissional, era muitas vezes confrontado com recém-licenciados que, ainda que tivessem desenvolvido diversas actividades extracurriculares, apresentavam dificuldade em “traduzir” essas experiências em competências práticas. Foi na tentativa de responder a estas duas realidades que surgiu a ideia do livro. Uma obra que apresentasse um enquadramento sistematizado e teoricamente fundamentado de como as diversas actividades extracurriculares influenciam a empregabilidade e o desenvolvimento de competências, que possa ser utilizado pelos empregadores para suportar um processo de tomada de decisão baseada em dados, e possa, simultaneamente, ser utilizado pelos recém-licenciados para estruturar, e compreender, os conhecimentos e competências adquiridas durante o seu percurso.
2-Em termos de transição para o mundo laboral, qual é a situação predominante dos nossos recém-licenciados?
R- Pensando no mundo laboral português, e à semelhança do que acontece na maioria das realidades europeias, estamos a viver uma verdadeira “guerra do talento”, com muita procura por parte das organizações, e alguma escassez de oferta ao nível do capital humano do actual mercado. Esta realidade leva muitas empresas a “virar-se” para o potencial dos recém-licenciados como forma de responder a tal escassez, algo que é espelhado pelos mais de 80 programas de trainee/estágios existentes na realidade portuguesa. Estes programas podem facilitar a obtenção de experiência directa no mercado de trabalho, sendo um veículo importante para a transição dos recém-licenciados do mundo académico para o mundo laboral. No entanto, não podemos descartar que Portugal conta com uma das maiores taxas de desemprego jovem da Europa. Tal realidade, aliada ao que se espera ser uma recuperação económica e laboral em K, implica que iremos ter uma transição para o mundo laboral a funcionar em “duas velocidades”. Ou seja, algumas áreas de actividade vão estabelecer padrões de recuperação e crescimento bastante rápidos (e.g. serviços financeiros e de tecnologia), permitindo que os recém-licenciados, com os perfis de conhecimento e especialização desejados, encontrem uma transição mais célere e facilitada. Por outro lado, alguns sectores de actividade vão estabelecer padrões de recuperação e crescimento mais lentos (e.g. hotelaria e viagens), implicando que os recém-licenciados destas áreas de conhecimento enfrentem uma maior competição e uma transição potencialmente mais lenta e dificultada?
3-No contexto de pandemia em que ainda vivemos, quais as suas sugestões para optimizar os resultados e as oportunidades de jovens a dar os primeiros passos na vida profissional?
R- A primeira sugestão, e ainda que saiba que é algo cliché, seria que não vissem a obtenção de um diploma como uma garantia de emprego, ou algo verdadeiramente diferenciador no actual mercado de trabalho. É ainda comum ouvir alguns recém-licenciados a destacar a “posse” de um Mestrado como elemento diferenciador, numa época em que consistentemente vários jovens conseguem atingir este patamar. Não é uma questão de negar a qualidade e a exigência deste nível de educação, mas sim de reconhecer que é algo cada vez mais comum na realidade que vivemos, e, consequentemente, menos diferenciador. No entanto, e complementando o currículo académico, encontramos algumas actividades extracurriculares que podem, de facto, conferir algum grau de diferenciação, e ajudar a uma transição mais harmoniosa para a realidade laboral. E, não me cabendo a mim providenciar uma constelação única e ideal de actividades e competências que resultam numa maior empregabilidade, nem, de igual forma, qual a melhor estratégia para a obter (já que ele dependerá de cada indivíduo), a melhor sugestão que eu posso deixar aos recém-licenciados é que “pensem”. Analisem o mercado em que querem entrar, quais são os principais intervenientes, quais são as competências que mais são mencionadas nos anúncios dos mesmos, entre outros factores, e, depois de analisar a actual “procura”, pensem neles próprios como “oferta”, nas suas idiossincrasias e nas oportunidades que tiveram ou que criaram, e no que é que elas se traduzem em termos de competências verdadeiramente diferenciadoras que representem uma história única que foi criada por eles próprios.
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Paulo Leitão (org.)
Transição entre o Mundo Académico e o Mundo Laboral
Editora RH 17€