Patti Smith: Uma história de amor
CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha
Uma história de amor, uma linda história de amor em Nova Iorque quando ainda eram tão novos que nem sabiam o futuro ser possível. Lutavam por isso, abdicaram de tudo para se encontrarem e se protegerem. “Por melhor que eu aspirasse a ser, nunca viria a alcançar a perfeição.” Passaram fome e frio, empregos maus, não tinham dinheiro, “mas tinha a certeza de uma coisa. Era um artista. E por isso jamais pediria desculpa.” Patti e Robert, um casal improvável, ou talvez não. Nos museus “só dispúnhamos de dinheiro suficiente para um bilhete, um de nós entrava, via as exposições, e depois vinha contar ao outro.” Janis Joplin, Jim Morrison “senti o egoísmo dele, bem como a sua suprema confiança. Ele exalava uma mistura de beleza e de autocomiseração, e de dor mística, como um São Sebastião da Costa Oeste.” Ainda a música não era horizonte, a arte sim “punha-me a pensar para que servia criar arte… termos a nossa obra enjaulada nos grandes jardins zoológicos do mundo das artes – o Modern, o Met, o Louvre?” Sempre a definição de arte à frente de tudo o resto “preferia um artista que transformasse o seu tempo, em vez de o espelhar.” E, claro, os Stones: “O que permanece na minha memória do final de 1968 é a expressão preocupada do Robert, a neve sempre a cair, as telas por pintar, e um certo alívio proporcionado pelos Rolling Stones.” Como é possível sobreviver sem dinheiro? “ O riso. Um ingrediente essencial à sobrevivência. E nós riamos-nos muito.” O mítico Chelsea Hotel e o El Quijote onde pararam o Dylan Thomas, o Eugene O’Neill, o Thomas Wolfe, os Jefferson Airplane, o Jimmy Hendrix, o Bob Dylan… Mas “jamais poderia antever que um dia seguiria o caminho deles. Naquele momento eu era ainda uma livreira magricela de vinte e dois anos, que se debatia em simultâneo com diversos poemas inacabados.” Ainda o Chelsea e o seu átrio: “Era o Salvador Dalí. Lançou um olhar nervoso em torno do átrio, e depois, ao ver o meu corvo, sorriu. Colocou a sua elegante e ossuda mão no alto da minha cabeça e disse-me: – Tu és como um corvo, um corvo gótico.
– Bom – disse eu para o Raymond -, isto é só um dia como qualquer outro no Chelsea.”
As dúvidas de quem cria “Quando lamentei a minha incapacidade para concluir qualquer um dos meus poemas, ele citou-me o Mallarmé: ‘ Os poetas não concluem os poemas, abandonam-nos’ “.
A ligação ao J na morte: Brian Jones, Jimmy Hendrix, Janis Joplin. E a vontade de ser rebelde “ lembro-me de passar com a minha mãe pelas montras e lhe perguntar porque é que as pessoas não as partiam.”
O livro é para ler porque é bonito. Não consigo dizer mais nada, por isso a Patti a acabar: “eu acreditava que ele voltaria a acolher a noção de que não há puro mal, nem puro bem, só há pureza.”
And so on.
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Patti Smith
(Tradução: Jorge Pereirinha Pires)
Apenas Miúdos
Quetzal 18,80€