José Luís Correia: “A inevitabilidade do amor”

[Fotografia: Paulo Lobo]
1-O que representa, no contexto da sua obra, o novo livro “Pássaros de Fogo”?
R-“Pássaros de Fogo – Uma História de Amor” (Oxalá Editora, Maio 2024) é o meu segundo livro, o primeiro de poesia. O livro não é uma simples recolha de poemas, já que engloba poemas e cartas de amor, poemas eróticos, diálogos, haikus, que seguem uma linha condutora e contam uma história. Uma história de amor. Escrevo desde bastante novo, comecei com pequenas historinhas aos dez, onze anos. Devia ter 12 quando escrevi o meu primeiro poema, um poema de amor muito assolapado e piegas, próprio da idade. O primeiro poema que publiquei foi no jornal do liceu, aos 16 anos, onde estudava na altura, em Faro. Depois voltei a publicar mais alguns poemas num jornal literário académico em Estrasburgo, quando estive lá estudar, devia ter uns 20 anos. Alguns anos mais tarde abri um blogue e esse passou a ser o repositório dos meus textos mais pessoais e poemas. Eu era jornalista na altura, e era importante para mim separar o jornalista do autor que escrevia poesia e ficção no blogue. Tudo isto para dizer que quando publiquei o meu primeiro romance, “Os Cadernos do Gaspar: diário erótico de Alexandre Gaspar W.” (Edições Mahatma, 2020), tinha 47 anos e já tinha me experimentado em vários géneros. Gosto tanto de escrever prosa como poesia, ficção ou até ficção científica. Depois de me estrear com um romance, quis publicar agora alguma da minha poesia. Este livro é apenas um excerto de tudo o que já escrevi e que aguarda nas gavetas. Talvez alguns nunca vejam a luz do dia, porque já os considero como muito datados.

2-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R-Este livro conta uma história de amor. É a história de um encontro, dois seres que se cruzam, o tempo acelera, tudo rodopia, a Terra treme, é assim que começam todas as histórias de amor, não? Depois há o desenrolar da história, as dificuldades e contrariedades que esse amor encontra para poder ser vivido plenamente. Finalmente, a inevitabilidade do amor, porque muitas vezes amor acontece mesmo apesar de nós. Na verdade, devo confessar que esta história de amor é a minha história de amor com uma outra autora, a Bia Vasconcelos, que partilha hoje a minha vida. Sem ela, este livro não existia. É por isso que decidi incluir no livro cartas de amor e diálogos escritos a quatro mãos, porque, afinal, o amor é uma dança a dois. Claro que há uma parte fantasiada, romanceada, não quis revelar nada de demasiado privado. Mesmo assim há poemas muito íntimos e pessoais. Estes textos contam uma verdade, a realidade deste amor, com os seus altos e baixos, adversidades e reveses, mas também o crescimento e a forma muito fusional e passional como o vivemos. Porque até um amor ideal é algo que se constrói no dia-a-dia. Vejo muitas pessoas ao meu redor que não acreditam no amor. E considero isso triste, porque a vida sem amor torna-se um lugar desolado. Claro que há muitas formas de amor: o amor materno e paterno, filial ou fraterno, o amor-amizade. Este livro é sobre o amor carnal, o Eros, como lhe chamavam os gregos. Daí a imagem escolhida para a capa, uma pintura de Antonio Canova, “Eros e Psique”, ou seja, quando o amor carnal também se apaixona pela alma.  Com este livro quis dar testemunho do nosso amor, e do amor, tout court. O amor acontece. Não acontece todos os dias, mas acontece. É preciso aceitá-lo, reconhecê-lo, não vem perfeito numa bandeja, temos de crescer com ele, temos sobretudo de querer crescer. E é preciso não desistir ao primeiro precalço. Claro que entregar-se e enganar-se dói. Mas se as crianças que aprendem a caminhar desistissem cada vez que caem, nunca chegariam a andar. Eu acredito profundamente nisto: cada queda dói, mas ensina-nos a nos conhecermos melhor e a não repetirmos erros. No amor, precisamos também de saber o que queremos do outro, de nós, da vida, e mais do que isso, aceitar que somos seres humanos, falíveis mas simultaneamente com uma luz em nós que nos dá o poder de sermos divinos. Era uma história assim que eu queria contar. Este livro é isso tudo.

3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Estou a fazer imensas coisas ao mesmo tempo. É muito estimulante, porque gosto de variar. Neste momento, estou a escrever um livro a quatro mãos com a Bia Vasconcelos. Estou a trabalhar com duas ilustradoras e à procura de editora para duas histórias infantis que escrevi, inspiradas no meu filho, que tem hoje dez anos. Estou igualmente a terminar um livro de contos de ficção / ficção científica. Na gaveta tenho três livros de poesia, dois deles em versão bílingue português/francês, já prontos para publicação. No entanto, ainda não iniciei o processo de procura de uma editora para esses. Depois, tenho à minha espera um manuscrito inacabado de um “space opera”, um romance de antecipação que comecei a escrever há anos e que quero retomar. Ultimamente, estou a finalizar com uma editora luxemburguesa as negociações para publicar antes do fim do ano a tradução em francês de “Os Cadernos do Gaspar”. Encetei também a escrita da prequela e da sequela de “Os Cadernos do Gaspar”. São muitos estaleiros ao mesmo tempo. Mas como quem corre por gosto, não cansa, eu continuo a escrever. Todos os dias. Ou quase. A escrita sempre fez parte da minha vida e vai continuar a fazer.
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José Luís Correia
Pássaros de Fogo
Oxalá Editora