Palavras de Amália

CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha

“Amália nas suas palavras – entrevista inédita a Manuel da Fonseca em 1973” na Porto Editora
Gosto tanto da Amália, da sua simplicidade que não considero simples, da sua forma única de ser Diva, como se houvesse outra, da genuinidade.
O Manuel da Fonseca tenta tudo para lhe arrancar material para um livro que nunca saiu porque Amália foge, não quer tomar partido, está sempre acima de tudo. Tanto, que o exaspera, mas no fim até se pode considerar que exista cumplicidade e respeito mútuo.
“MF: você nasceu em Lisboa, na Travessa Martim Vaz.
Amália: Na Rua Martim Vaz. Ao menos nessa não me diminua..”
“Amália: Gosto muito mais da noite que do dia.” “Nos hotéis compro papéis pretos e forro os vidros… só gosto do sol quando estou na praia.”
Momentos tão bons como este: “Vi os filmes todos que se resolvem com um final muito bom. Uma pessoa fica sempre à espera de um destino igual àquele. Mas isso perdeu-se em mim, lá para longe.”
E também “Depois comecei a desencantar-me… nada corresponde àquilo que uma pessoa pensava. Mesmo o  grande amor, de uma maneira geral, não corresponde. O prazer que se tem com os sapatos também não é aquele que a gente tem quando não tem sapatos nenhuns e compra uns. Antigamente, quando comprava uns sapatos, não dormia uns três dias, com ideia de ter uns sapatos novos. Agora, se não adormeço, é por outras razões, não é por causa dos sapatos. [risos]”
O amor pelas coisas belas “Aquela quantidade de flores e tudo aquilo provoca em mim uma destas alegrias! Dá-me uma vontade de bater nas flores e de lhes chamar nomes; fico tão contente que tenho a impressão que as flores falam comigo, que riem para mim e tudo. Nem caibo em mim de felicidade. É uma coisa que até me faz mal. Sinto mesmo que tenho que lhes chamar nomes, tenho que lhes chamar ranhosas e lingrinhas.”
E, é claro, a música: o local é universal, como em todas as artes “Às vezes há homens que falam, na sua música e nos seus versos, de um país, como no caso do Dorival Caymmi. Nas cantigas que canta, eu vejo o Brasil.”
O seu amor pelo Alentejo onde assentou na sua casa no Brejão “E o Alentejo, com aquela sua força, aquela coisa… Não sei, há qualquer coisa no Alentejo… Ali eu existo fisicamente. Endireito as costas.” E mais: “A planície tem isso tudo. A planície é boa para os imaginativos – para os que não têm imaginação, não presta.”
E Manuel da Fonseca a tentar, não conseguindo:
“MF: mas eu não queria que a Amália fosse o normal. Estou a cavar em si…
Amália: Mas eu sou muito normalzinha. [risos]”
E quando pensamos que só nós, comuns mortais, temos problemas: “ sinto-me todos os dias desamparada. Não tenho grande razão para ter dramas, nunca tive. Não me lembro de um drama como mulher, a não ser o drama de todos os dias: o de não me sentir feliz. Esse é um drama permanente.”
E é um ídolo perfeito? “ mas o ídolo nunca pode ter perfeição se não a tiver.”
Sobre o sexo: “é o resultado, não é a razão.” Sobre os países: “não gosto de países muito organizados.” Sobre si: “claro que não vim para a cançoneta. Podia vir para a cançoneta.” “Sou violenta, não sou piegas.” “Mas eu não tenho que não me revoltar.”
Ainda lhe perguntam: “E A Amália é vítima da sua inconsciência.
Amália: Tenho a noção dessa inconsciência a respeito de tudo.”
E ainda sobre si “Eu não sou muito medrosa, mas não sou valente.”
“não me entendem porque, quando sou feliz, sou feliz sem nenhuma razão especial.”
Mas tem uma razão especial: “acho que há, entre mim e as pessoas que me ouvem, uma identificação. Uma identificação de uma coisa que conhecem e que sentem. É como quando uma pessoa vai por um caminho e vê uma erva que dá um cheiro que reconhece.”
Que lindo!
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Amália Rodrigues/Manuel Fonseca
Amália nas suas Palavras (Entrevista inédita de Manuel da Fonseca em 1973)
Porto Editora  18,80€

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