O homem sociológico continua a existir…
Embora vivamos tempos dominados pela economia e o quotidiano nacional e individual esteja reduzido a uma enorme e depressiva conta de “deve e haver”, é bom lembrar que o homem é um ser social, que age e comporta-se de acordo com papéis socialmente predeterminados. As mudanças, especialmente se forem bruscas e forçadas, podem ter reflexos muito para além do esperado.
Correspondendo aos tempos que correm, a Sociologia enquanto ciência mais do que perder relevância entrou no campo dos estudos descartáveis, cujo ensino é olhado com desconfiança (se não desprezo) por quem devia cuidar da educação e proporcionar múltiplas respostas escolares e opções de especialização. Sempre que uma sociedade deixa de refletir sobre si e de tentar compreender o que se passa na complexa relação do indivíduo com os seus semelhantes nessa estrutura multidimensional de campos de posições que é a sociedade… o resultado tem sido desastroso.
Vem isto a propósito de um pequeno mas muito interessante livro publicado recentemente entre nós, embora escrito em 1957 e reeditado em 1973: “Homo Sociologicus”, do sociólogo, filósofo e político alemão Ralf Dahrendorf.
Dahrendorf explica que o “homo sociologicus” é o “ponto em que o indivíduo e a sociedade se cruzam”, ou seja, “o homem enquanto portador de papéis socialmente predeterminados”.
Ao homem biológico a ciência social juntou, inicialmente, o “homo oeconomicus” da economia moderna (consumidor racional e empresário possuidor de toda a informação para uma escolha lógica) e o “homem psicológico” e, posteriormente, duas novas “criaturas”: o homem da sociologia e o da ciência política.
A Sociologia é uma ciência do homem mas não a única, “nem pode aspirar razoavelmente a tratar o problema do homem em toda a sua profundidade e amplitude”, dada a multiplicidade de papéis sociais que cada um tem de desempenhar diariamente ao viver em sociedade.
“Não podemos dar um passo nem proferir uma frase sem se intrometer entre nós e o mundo um terceiro elemento, um elemento que nos prende ao mundo e ao mesmo tempo faz a mediação entre essas duas abstrações concretas: a sociedade”, frisa o sociólogo. Por isso, de uma forma ou de outra todos nos submetemos às regras estabelecidas: casar, trabalhar, estudar, votar…
“Não podemos dar um passo nem proferir uma frase sem se intrometer entre nós e o mundo um terceiro elemento, um elemento que nos prende ao mundo e ao mesmo tempo faz a mediação entre essas duas abstrações concretas: a sociedade”, frisa o sociólogo. Por isso, de uma forma ou de outra todos nos submetemos às regras estabelecidas: casar, trabalhar, estudar, votar…
Apesar das várias correntes sociológicas, é comummente aceite um determinado conjunto de categorias, nomeadamente posição, papel, expetativa do papel e sanção.
E porque a sociedade é concebida com um certo grau de diferenciação interna, cada indivíduo ocupa várias posições sociais – pai, colega, superior/subordinado… “Teoricamente, toda a sociedade pode ser representada como uma enorme estrutura multidimensional dessas relações”, refere Dahrendorf, explicando que “o que faz a estrutura das posições ganhar vida é o comportamento do papel”, ou seja, um conjunto de modos de comportamento que se atribui a quem ocupa as posições.
O sistema de sanções sociais – as recompensas pela obediência e as punições por comportamentos desviantes – garante que os indivíduos não fugirão ao caráter vinculativo dos papéis, o que permite afirmar que “o homem comporta-se de acordo com os seus papéis”.
Lembrando que a Sociologia toma os papéis sociais como elementos de análise, Ralf Dahrendorf reflete sobre a difícil tarefa do sociólogo face ao problema “moral e filosófico” de relacionar “o homem artificial da sua análise teórica com o homem real da nossa experiência quotidiana”. Mas não o equacionar sequer é um erro colossal…
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Ralf Dahrendorf
Homo Sociologicus
Quetzal Editores, 13,20€