O fado da economia portuguesa

Os três autores desta história económica decidiram responder a uma pergunta, em suma, se “fará ainda sentido preocuparmo-nos com o estudo aprofundado de economias nacionais”. Eles, académicos, não têm dúvidas quanto à resposta afirmativa. Afinal, dizem, “o estudo da história de uma economia periférica da Europa, ao longo de mais de oito séculos, é relevante não só para se conhecer as grandes linhas de força que a definem, mas também para melhor se perceber questões relativas à história económica mundial”.
Parece exagero, mas a verdade é que a história política, logo económica, portanto social (e mais), de Portugal cedo cruza fronteiras e se envolve com interesses múltiplos, a que o comércio crescente obriga. O livro sublinha que Portugal gerou três impérios e que a História europeia “é fruto da interacção de economias nacionais”.
“A evolução secular da população portuguesa mostra algumas semelhanças com o que aconteceu no resto da Europa”, exemplificam os autores. É certo que houve momentos de estagnação e contracção, como no período de avanço da Peste Negra, mas “entre 1500 e 1800 a população portuguesa cresceu a um ritmo apenas ligeiramente abaixo do registado no Noroeste da Europa e acima do das regiões mediterrânicas”.
E desmistifica-se, por exemplo, a imagem criada de que Portugal é um país de emigração, com falta de braços para actividades produtivas, porque o crescimento demográfico até permitiu “o paulatino alargamento da área do reino ocupada pela actividade agrícola”. Mas esse crescimento revelava debilidades, como a indispensável mobilização adicional de mão-de-obra e de terra, com poucos ganhos de produtividade daí resultantes.
De qualquer modo, assinala-se, a actividade agrícola nacional integrou-se cedo nos mercados internacionais, ainda que de forma incipiente. “Na Idade Média o país já importava cereais e exportava vinho e azeite”, uma situação que foi crescendo, até pelo benefício de tratados internacionais para a troca dos produtos agrícolas por produtos manufacturados.
O sector industrial, por seu turno, acompanhava a estrutura do povoamento, pulverizada no território, aqui e ali com bolsas de concentração de actividade, junto dos centros urbanos, fontes de energia e/ou canais de transporte. A preponderância ia, no entanto, para as unidades domésticas em resultado da procura de uma população pobre, com baixos níveis de consumo disponíveis em mercados também irregulares e dispersos.
Mas a indústria nacional teve de enfrentar circuitos internacionais com diferentes capacidades e graus de especialização, nem sempre saindo prejudicada. A diversificação industrial portuguesa permitiu, mesmo, “uma expansão considerável ainda no século XIX, mas sobretudo ao longo de todo o século XX, quando registou taxas de crescimento das mais elevadas da Europa”.
Os contextos imperiais seriam benéficos para os industriais portugueses, enquanto no comércio externo se verificou, a partir do século XVI, o domínio da reexportação de produtos coloniais, “com sucessivos ciclos de bens estratégicos, nomeadamente a pimenta, o açúcar e o ouro”.
O tema da obra é, de facto, o curso de 800 anos da história de Portugal na vertente económica. E esse é o grande atractivo, para especialistas ou para o público em geral. A formação da estrutura fundiária, o poder régio e o religioso, a arrecadação fiscal, os conflitos senhorios/monarquia, a utilização do valor da moeda como variável económica importante são pontos de apoio para construção da narrativa.
E os dados mais recentes? Saltemos, então, no tempo, para o pós-guerra, quando “a economia portuguesa era herdeira de um conjunto de condições que favoreciam o seu crescimento, incluindo um Estado organizado, embora autoritário, um conjunto apreciável de infra-estruturas de transportes, energia ou irrigação e alguns sectores industriais mais avançados”.
Era tempo de abundância de ouro e divisas nos cofres portugueses, em resultado dos saldos positivos da balança comercial antes e durante o conflito de 1939-1945. No cenário internacional, negociava-se o entendimento entre os europeus, como caminho para o restabelecimento económico do Ocidente. Foi aí que surgiu o plano Marshall, mas o governo português começou por mostrar-se pouco interessado, tal como a Espanha de Franco, alegadamente por não necessitarmos de ajuda externa.
As dificuldades rapidamente se impuseram na balança comercial, em consequência “do fraco comportamento das exportações portuguesas e da necessidade de utilizar as reservas cambiais acumuladas para regularizar o abastecimento de produtos alimentares no país, pondo fim ao sistema de racionamento e ao mercado negro”. E Salazar lá estendeu a mão…
Como se vê, o esclarecimento de situações permite uma leitura mais integrada e explicativa do quadro actual. E lá se chegará, com a entrada de Portugal na CEE, a passagem à UE, a integração no euro, sempre na Europa, com a Europa, mas no patamar de baixo… e cá estamos. Não pomos mais na carta, não entremos em coisas tristes. A verdade é que, depois da leitura do livro, lá vem a vontade de ser fatalista. Cantar o fado, a nossa triste sina.
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Leonor Freire Costa, Pedro Lains e Susana Münch Miranda
História Económica de Portugal – 1143-2010
A Esfera dos Livros, 26€