O 5 de Outubro tirado da arca

As comemorações do primeiro século de implantação da República proporcionaram a publicação de um avultado número de obras sobre a revolução que determinou uma mudança drástica na vida política portuguesa. Festejada pelos apoiantes do novo regime, detestada e contestada pelos monárquicos fiéis, a data permitiu a concretização de estudos diversos, abordando diferentes aspectos históricos, políticos, sociais…

Entre as diversas abordagens, esta, organizada pelo historiador António Ventura, optou pela compilação de “reportagens, depoimentos e relatórios” publicados ao longo dos anos pós-5 de Outubro, alguns reeditados já depois do 25 de Abril, outros nunca recuperados. É assim que aqui se encontra, a abrir, “um clássico” do jornalismo sobre a mudança de regime, o primeiro dos três relatos saídos da pena de jornalistas; seguem-se testemunhos, numa segunda parte, que registam as vivências de diversos protagonistas da revolução, e relatórios publicados na imprensa.

De interesse diverso, em todos estes casos o organizador faz o enquadramento do autor e das circunstâncias em que participou e até as razões que o levaram a deixar por escrito o que pensava ser um ponto de vista importante. É a História feita com recursos às fontes directas possíveis quando os “depoentes” já não podem responder a questionários. Até um texto anónimo é recolhido, com o alerta de que contém “incorrecções, boatos e notícias falsas posteriormente desmentidas”.

Um dos textos recolhidos mais sedutores é seguramente o assinado por Freitas Saraiva, não mais do que o pseudónimo de Albino Forjaz de Sampaio, jornalista, escritor e polemista de obra diversa, que logo em 1911 publicou esta Como se Implantou a República em Portugal, com uma reedição, no mesmo ano. É um estilo vivo, militante, de republicano que participou nas manobras. “Notas de um revolucionário”, como ele próprio sintetizou.

É um estilo, de facto, o de Forjaz de Sampaio. Logo quando parte para o relato sobre o 5 de Outubro de 1910 com “uma breve e retrospectiva exposição que terá por ponto de partida o ultimatum de Inglaterra”. Pretendia ele que ficasse claro ao leitor “a visão do desastre da dinastia brigantina” e patentear desse modo “a ladeira abismal, a resvaladia carreira por onde o trono para sempre se sumiu”.

Prosa viva, prosa forte, como se vê, que por mais de cem páginas guia o leitor até ao “agitado momento que nos conduziu à liberdade”.

_______________________

António Ventura (org.)

O 5 de Outubro por quem o viveu – Reportagens, depoimentos e revolucionários

Livros Horizonte, 43,99€