Novos tempos, velhas vontades
Os tempos são pouco brilhantes para as religiões, com dificuldades para as crenças tradicionais, em benefício geral de cultos e seitas nem sempre claros, de vários pontos de vista. Mas a questão fundamental em todas as crenças é a fé, a força dos dogmas, a impossibilidade da razão. Mesmo nos momentos mais apropriados.
Assim aconteceu com Galileu, quando há cerca de quatro séculos começou a divergir, por via científica, dos católicos que recusavam ver o mundo por outros olhos que não as verdades feitas ao longo de séculos. É certo que já se debatiam com o germe da contestação interna, e os seus choques com a doutrina da Igreja e as conclusões de Galileu não deixaram de ser aproveitados pelos protestantes.
“Galileu teve também a má sorte de se encontrar no local errado e na hora errada para expor as suas ideias científicas radicais”, explica o autor desta biografia. Enquadra, assim, a eclosão do confronto no culminar da Contra-Reforma, com a “paranóia católica” a tocar os limites.
Quanto às consequências desta grave divergência, que culminou com o julgamento de Galileu pela Inquisição, Michael White recorda que foram factos destes que levaram ao afastamento nos dias de hoje de muitos que vêem o cristianismo “como uma influência insidiosa na história da nossa civilização”, classificando-o de “anti-intelectual e antiprogressista”, e daí as críticas às opções papais, ao longo dos tempos.
Claro que foram tempos duros para Galileu e outros que seguiam as suas investigações e descobertas. Obrigava-se o cientista à prudência quando os radicais do cristianismo se socorriam de argumentos como “as Sagradas Escrituras não podem errar”.
Então, fazia um passo atrás, como aconteceu numa troca de cartas com um seu discípulo: “Embora as Escrituras não possam errar, os seus expositores e interpretadores estão sujeitos ao erro”.
Foi na sequência do incidente que justificou a missiva, passado um ano de efervescência nos meios da nobreza, fortemente religiosa, e dos cientistas, completamente divididos, que um jovem dominicano aproveitou o quarto Domingo do Advento para subir ao púlpito e fazer uma acusação sem retorno. Galileu era, para ele, um verdadeiro Anticristo.
Por esses tempos, assinale-se como curiosidade, os jesuítas não hesitavam em procurar arrasar qualquer ideia que se revelasse favorável a uma teoria alternativa da matéria, com impedimento de todas as discussões que versassem o atomismo.
O interesse do livro atende as versões díspares sobre a obra e vida de Galileu. E, no fim, entre o mais, recorda que uma iniciativa de João Paulo II criou a Comissão Galileu determinando que “o trabalho seja realizado sem atrasos e traga resultados concretos”. No entanto, as conclusões dos trabalhos só foram publicadas onze anos depois e foram “tudo menos concretas”, escreve Michael White.
Sorte a de Galileu já não estar entre os vivos.
__________
Michael White
Galileu o Anticristo
Publicações Europa-América, 29.90€
Assim aconteceu com Galileu, quando há cerca de quatro séculos começou a divergir, por via científica, dos católicos que recusavam ver o mundo por outros olhos que não as verdades feitas ao longo de séculos. É certo que já se debatiam com o germe da contestação interna, e os seus choques com a doutrina da Igreja e as conclusões de Galileu não deixaram de ser aproveitados pelos protestantes.
“Galileu teve também a má sorte de se encontrar no local errado e na hora errada para expor as suas ideias científicas radicais”, explica o autor desta biografia. Enquadra, assim, a eclosão do confronto no culminar da Contra-Reforma, com a “paranóia católica” a tocar os limites.
Quanto às consequências desta grave divergência, que culminou com o julgamento de Galileu pela Inquisição, Michael White recorda que foram factos destes que levaram ao afastamento nos dias de hoje de muitos que vêem o cristianismo “como uma influência insidiosa na história da nossa civilização”, classificando-o de “anti-intelectual e antiprogressista”, e daí as críticas às opções papais, ao longo dos tempos.
Claro que foram tempos duros para Galileu e outros que seguiam as suas investigações e descobertas. Obrigava-se o cientista à prudência quando os radicais do cristianismo se socorriam de argumentos como “as Sagradas Escrituras não podem errar”.
Então, fazia um passo atrás, como aconteceu numa troca de cartas com um seu discípulo: “Embora as Escrituras não possam errar, os seus expositores e interpretadores estão sujeitos ao erro”.
Foi na sequência do incidente que justificou a missiva, passado um ano de efervescência nos meios da nobreza, fortemente religiosa, e dos cientistas, completamente divididos, que um jovem dominicano aproveitou o quarto Domingo do Advento para subir ao púlpito e fazer uma acusação sem retorno. Galileu era, para ele, um verdadeiro Anticristo.
Por esses tempos, assinale-se como curiosidade, os jesuítas não hesitavam em procurar arrasar qualquer ideia que se revelasse favorável a uma teoria alternativa da matéria, com impedimento de todas as discussões que versassem o atomismo.
O interesse do livro atende as versões díspares sobre a obra e vida de Galileu. E, no fim, entre o mais, recorda que uma iniciativa de João Paulo II criou a Comissão Galileu determinando que “o trabalho seja realizado sem atrasos e traga resultados concretos”. No entanto, as conclusões dos trabalhos só foram publicadas onze anos depois e foram “tudo menos concretas”, escreve Michael White.
Sorte a de Galileu já não estar entre os vivos.
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Michael White
Galileu o Anticristo
Publicações Europa-América, 29.90€