Nas margens de Maria Gabriela Llansol

CRÓNICA
| agostinho sousa

Os livros de Maria Gabriela Llansol têm um encanto que os torna indefiníveis, desde a escolha das suas personagens, tanto históricas ou objetos como retiradas da natureza (animais e plantas), aos diversos níveis (tempo e espaço) por onde circundam as ações, «inventando mundos», como quando escreve em 24/12/1975, num livro de Nietzche:

Tratava-se realmente de ouvir os objectos (mais que olhá-los) para sempre. Tactear, fechando os olhos. Depois, simplesmente ouvir, mudar o objectivo de lugar, e escutar o texto do seu lugar vazio. Este livro, antes de ser um texto é um objecto – objecto da voz de Nietzsche”.

A leitura dos seus escritos, por vezes labirínticos, motiva o leitor (interessado) para a dúvida, em reflexão, num esforço que não o deixa indiferente, como quando escreve num livro de Baudelaire:

“Sob o efeito da tarde,
Deixo de observar a rua ___
_____ e olho a mesma tarde, à esquerda.”

A este livro acresce a particularidade de ser uma recolha póstuma, a pedido da autora, de um conjunto de escritos que foi fazendo, ao longo da vida, depositados nos espaços e nas páginas em branco dos livros da sua biblioteca, que vão desde reflexões sobre o que estava a escrever no momento, até «diálogos» que estabelece com os sublinhados daquilo que quis destacar de determinada página – a que denominam, na apresentação do livro, de «marginália». Com essa atitude «marginal» reescreve, o e no livro do outro, atos de reflexão, salpicados pelos exemplares das suas estantes, que, depositados por tempos vários, voltarão a encontrar-se reunidos neste livro para nosso deleite, para que os possamos disfrutar, utilizar e, quiçá, anotar.
Como escreve M. Gabriela Llansol em 2001, num livro de Manuel Gusmão: “Gosto de escrever nos livros para que «se realizem» na minha própria casa”.
E, para concluir:

Comprei As Confissões de Santo Agostinho. Reparei que gosto menos de ler livros emprestados. Tenho os meus. Gosto de possuir, de palpar, de acariciar a forma de pensamento que amo”. Permitam-me que acrescente entre palpar e acariciar o ato de: sublinhar.
Espinho, 01/05/2023
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Maria Gabriela Llansol
Escrito nas margens – Livro de Horas VIII
Assírio & Alvim  16,65€

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