Murakami ensina outros escritores

CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha

Mais um livro de auto-ajuda para escritores renitentes. Uma mistura de autobiografia com autocomiseração, algumas dicas boas, outras que servem poucos, muitas críticas aos críticos e alguma modéstia que não sabemos bem se é modéstia ou afectação, “A maioria dos romancistas (cerca de noventa e dois por cento, calculo, e incluo-me no rol) pensa: “O que faço e escrevo está certo. Salvo raras exceções, os outros escritores estão errados, em maior ou menor grau)”” Eu gosto de Murakami, mas senti-o um pouco perdido neste livro de promoção a si mesmo que penso ter sido escrito para os seus compatriotas e para os seus mais acérrimos críticos. Talvez por se considerar desde sempre um outsider da literatura japonesa, talvez por alguma insegurança (nada contra, meu caro, nada contra), Haruki fecha-se em copas há muitos anos e não dá entrevistas nem promove pessoalmente os seus livros – a não ser no estrangeiro. Considera-se pouco inteligente (mais uma falsa modéstia inútil) e engloba todos os romancistas nessa consideração “Em todo caso, não se dedicaria a esse trabalho uma pessoa realmente inteligente.”
Cai também em algumas contradições como quando refere os romances americanos (umas vezes são os seus mestres, noutras – quando isso é referido por outros – não) ou quando fala sobre o acto da escrita como uma aventura monótona para, logo a seguir, escrever “são momentos de pura felicidade”. A não ser que seja feliz na monotonia. Pisca muitas vezes o olho ao leitor que possa estar distraído e refere não escrever para determinado tipo de pessoa, mas logo à frente elogia o leitor ideal, uma pessoa inteligente e curiosa.
Salvam-se a descrição do seu método de escrita, rigoroso no quotidiano e exaustivo nas revisões, a sua abertura às críticas imediatas requeridas aos próximos “todos os textos possuem uma margem para melhoramentos” e a viagem ao inconsciente e aos “processos íntimos para escrever”.
O capítulo “Sobre a escola” está a mais e entra forçado neste livro (parece ter sido escrito para um suplemento de domingo), apesar de dar informações interessantes sobre os japoneses e o seu sistema de ensino.
Apesar de tudo, o livro tem o ritmo da sua escrita, com a frescura e a fluidez habituais, assim como algumas frases chave “Todas as atividades criativas, em maior ou menor grau realizadas com o propósito de acrescentarmos algo pessoal, surgem para, de certa forma, nos retificarmos a nós mesmos” e, é claro, o jazz, sempre presente na sua vida, como nos seus livros junto com o que impulsiona a escrita: “Olhar com cuidado e atenção as pessoas que nos rodeiam, refletir sobre o assunto.”
__________
Haruki Murakami
Romancista como Vocação
Casa das Letras   15,90€

COMPRAR O LIVRO