Morte em Garrafas de Vinho do Porto

“Um porto para os advogados”, do luxemburguês Josy Braun, é, sob todos os pontos de vista, uma surpresa. Desde logo porque a literatura daquele país não abunda entre nós (especialmente traduzida); e, sobretudo, por se tratar de uma ficção que envolve a comunidade portuguesa no Luxemburgo.Escrito em jeito de policial, o livro vai muito além da teia de homicídios perpetrados com uma “arma” inusual – garrafas de vinho do Porto – e da investigação desenvolvida pelo jornalista Pit Marburg. E se começa de uma forma enigmática – um funeral debaixo de chuva e uma jovem mulher a cuspir nos pés do ministro da Justiça e do seu irmão –, a narrativa termina de uma forma desconcertante: descoberto o mistério da série de assassínios, algo mais importante que a verdade levará Pit Marburg a não relatar o desfecho… Mas o verdadeiro interesse de “Um porto para os advogados” reside na desmistificação algo desencantada do trabalho jornalístico e no desmascarar das perigosas ligações à política partidária e ao meio judiciário que comprometem a independência noticiosa – e o autor sabe do que fala, pois foi jornalista durante muitos anos antes de se dedicar por inteiro à literatura, tendo, até, iniciado a carreira como jornalista de um sindicato.Sendo uma ficção enraizada no meio luxemburguês, “Um porto…” tem, no entanto, um carácter universal na abordagem dos problemas, facilmente identificáveis em qualquer sociedade desenvolvida deste mundo globalizado, da promiscuidade dos políticos à exploração dos imigrantes – portugueses, neste caso.Outro factor de interesse da obra é, claro, um certo “sabor” que tem para nós, portugueses, encontrar num livro estrangeiro tantas referências nacionais – do vinho do Porto ao 25 de Abril e às canções do Zeca Afonso – fruto do conhecimento do autor enquanto jornalista.Embora o estilo nem sempre seja elegante, este é um livro que se lê com prazer, de um autor a que vale a pena ficar atento, na esperança que mais alguma das suas muitas obras mereça tradução.
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Josy Braun
Um porto para os advogados
Campo das Letras, 12,60€