Montaigne e a sua vida

CRÓNICA
| agostinho sousa

A biografia de Montaigne (1533/1592) é abordada através das respostas a vinte perguntas que a autora vai colocando e que formam os capítulos deste livro. Tais momentos misturam-se no tempo e no espaço, enquadrados na Europa da segunda metade do século XVI, em particular numa França como terreno de guerras religiosas permanentes, entre diversas fações, resultantes das dissidências católicas pós-Lutero.
Montaigne foi um proprietário rural que viveu num castelo, que existe perto de Bordéus, com uma formação infanto-juvenil muito peculiar que, apesar da sua riqueza, não deixou de ser um livre-pensador e ativista, tendo mesmo sido nomeado presidente da Câmara de Bordéus (contra a sua vontade, enquanto viajava pela Europa), bem como um conciliador em todo esse processo evolutivo de crises religiosas, guerrilhas e guerras, num período tornado ainda mais negro pela deflagração da peste.
Da obra de Montaigne destacam-se «Os Ensaios» (escritos entre 1572 e 1592) que, como é mencionado na introdução, “são, portanto, muito mais do que um livro. São uma conversa de séculos entre Montaigne e todos os que o conheceram: uma conversa que se altera ao longo da história, começando de novo quase sempre com a exclamação: «Como sabia ele tudo isto acerca de mim?» Acima de tudo permanece como um encontro entre o escritor e o leitor.”
Os escritos e a ação cívica de Montaigne são complementados com reflexões de outros pensadores, desde seus a nossos contemporâneos, tanto favoráveis como críticas, ampliando a intemporalidade dos mesmos. Essa intemporalidade apoia-se num “Montaigne [que] trabalhou a arte de examinar as profundezas. «Medito acerca de qualquer satisfação», escreveu. «Não passo por cima disso, sondo.» Estava tão determinado a chegar ao fundo até de fenómenos que normalmente se encontravam perdidos por definição – como o sono – que martirizava um criado para o obrigar a acordá-lo regularmente a meio da noite, na esperança de apanhar o vislumbre do seu inconsciente à medida que este o abandonava.”
Complementarmente, a esse rigor de ir ao fundo dos problemas, Montaigne conseguiu com a sua postura de mediador/pacificador “uma vida sem nunca se deparar com quaisquer problemas graves com a Igreja: um feito notável para um homem que escreveu de forma livre, que viveu numa fronteira entre territórios católicos e protestantes e que exerceu cargos públicos num tempo de guerras religiosas.”
Dos inúmeros pensamentos transcritos neste livro, termino com aquele que diz respeito ao seu apreço pela “regra de leitura [que] continuava a ser a que aprendera com Ovídio: a busca do prazer. «Se encontro dificuldades ao ler», escreveu, «não roo as unhas por isso; deixo-os quietos. Não faço nada sem alegria»”.
Este livro foi lido com entusiasmo e muita alegria. Um dos atributos dos livros é levarem-nos a outras leituras e, neste caso, voltei à alegria de revisitar os sublinhados de uma antologia dos “Ensaios” de Montaigne, com pinturas de Pedro Calapez, publicada em 1998, dos quais destaco:
“Não viajo sem livros nem durante a paz nem durante a guerra.”
Espinho, 25/02/2023
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Sarah Bakewell
Como Viver – A Vida de Montaigne
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