Miguel Soares de Albergaria | Rufina

1- O que representa, no contexto da sua obra, o livro
“Rufina”?
R- Reforça a concepção do ser humano como pessoa – isto é, como um ser que se
constrói mediante as suas escolhas – não como absolutamente determinado por um
factor inato e/ou outros adquiridos. Mas num processo que apenas se cumpre se
respeitar um sentido (não subjectivo) da vida humana: o da dedicação de cada
uma destas a alguma(s) obra(s) consistente(s) que ultrapasse(m) essa vida que
se lhes vota. Teorias da relatividade, Capela Sistina, chefia do governo
britânico durante a II G.M…. No caso da mulher real que foi M. Rufina Melo
Tavares, na sua terrível circunstância familiar e económica, a obra foi a
criação e educação do filho para que este viesse a constituir-se num homem
autónomo e igualmente construtivo ou generoso. Este livro representa assim
também um reconhecimento da extraordinariedade de todas essas pessoas anónimas
que, sem qualquer expectativa de recompensa ou sequer consciência deste seu
mérito, se votam a tais obras.
2- Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R- A de que a nossa experiência íntima desse desenvolvimento
pessoal se estrutura na mesma forma da narrativa. Pois, neste género de
discurso, cada acção ou vivência concreta apresentada desenvolve algumas outras
anteriores, ainda que às vezes por contraposição, mas sem que tivesse ficado
absolutamente determinada por estas – por isso não era previsível – e é
sucedida por outras ações ou vivências que igualmente a desenvolvem sem que ela
as tivesse porém determinado. Numa narrativa bem resolvida, como numa vida que
o seja, um caminho se vai assim progressivamente delineando sob a sequência da
maioria dos passos, ou dos mais significativos – haverá sempre alguns dados ao
lado… Até que aquele passo que enfim a culmina, à narrativa como à vida, não
sendo claramente previsível até à iminência de ser dado, neste instante se
revela afinal como necessário por a partir dele se iluminar a unidade e sentido
do caminho que a ele levou. Para exemplificar (excelentemente!) essa
resolubilidade típica da narrativa posso referir o vol. 500 da Colecção
Vampiro, Quem Matou o Almirante?, de Agatha Christie, D.L. Sayers, et al.
Quanto à mesma forma de resolução agora na vida humana, julgo que um bom
exemplo foi a de Maria Rufina. A forma mais directa, mais significativa de
tratar o que disse na pergunta anterior seria pois a narrativa, de ficção e não
historiográfica (ainda que inspirada numa história real), de um caso como o
desta mulher. E não tanto qualquer argumentação abstracta. Daí este livro.
3- Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- De um lado, estou a rever um texto já publicado, e a preparar outros, de
fundamentação e análise teórica de algumas ideias como essa que creio ter
ficado sugerida em “Rufina”. De outro lado, mantenho num jornal uma
coluna de introdução crítica às relações entre ciência, tecnologia e sociedade;
e participo noutro jornal numa coluna de intervenção política. De outro lado
ainda, nas intermitências desses trabalhos, vou tomando notas para um regresso
à narrativa de ficção, também histórica, e sobre um tema próximo ao deste
livro: a perspectiva da vida a partir do facto da morte.
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Miguel Soares de Albergaria
Rufina
Companhia das Ilhas, 12€