Maugham: “Personagens interessantes e quase impossíveis de inventar”
CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha
Passados alguns anos regresso a Maugham de quem tanto gosto. Desta vez para uma parte da sua biografia ficcionada em relatos de histórias de espionagem em plena Primeira Guerra Mundial. Rumores referem que Churchill terá ordenado a sua destruição parcial e que os russos começaram a ler romances britânicos.
Mas este foi, sem dúvida um embrião para a enxurrada de livros de espionagem que se seguiu. Nomeadamente John le Carré, Forsyth, Graham Greene, entre outros.
Além do próprio Ashenden, várias personagens interessantes e quase impossíveis de inventar vão percorrendo as histórias, acrescentando brilho e verosimilhança: o Mexicano Calvo que se engana no alvo, detentor de frases lapidares “nunca me atraso”, “Há apenas três ocupações adequadas a um cavalheiro: guerra, cartas e mulheres.”, “Raramente peço conselhos e nunca os aceito”; o trágico e obstinado americano senhor Harrington; Anastasia Alexandrovna, quase uma história de amor desfeita por ovos mexidos; alguns diplomatas que se revelam muito anteriores às máscaras do quotidiano.
Todos os truques e segredos dos espiões estão ao alcance do bom senso: “um polícia simpático é mais perigoso do que um polícia agressivo.” “Confiança, é tudo o que é preciso. Se nunca temermos a rejeição, nunca seremos rejeitados.” “Um bom viajante tem de aprender a tirar o melhor partido das coisas.” E “Nunca é muito difícil meter conversa com uma pessoa que tem um cão.”
A marca do catolicismo, tão presente nos seus outros livros, neste está mais esbatida, senão quase apagada.
O sangue frio necessário, os avisos exagerados de quem nunca esteve no terreno “Ashenden tinha sempre a sensação de que as coisas nunca eram tão más como as pessoas esperavam”, embora desta vez estivesse errado.
E o tempo que se passa à espera que algo aconteça e que nunca aparece nos livros de espionagem. De qualquer forma “Há uma certa elegância em desperdiçar tempo…qualquer tolo pode desperdiçar dinheiro, mas, quando desperdiçamos tempo, desperdiçamos algo que não tem preço.”
Devo dizer que o livro não foi um desperdício de tempo.
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Somerset Maugham
Ashenden – O Agente Britânico
ASA 17,90€