Mário Moutinho: Teatro no Porto (1970/1980)

1-Qual a ideia que esteve na origem do vosso livro «O Teatro Semiprofissional no Porto (Arte, Activismo e Experimentalismo nos Anos 70 e 80)»?
R- Talvez não tenha havido uma ideia original, mas sim um conjunto de circunstâncias e desafios que apontaram para a necessidade de fazer um trabalho deste género. Sempre achei que as novas gerações não têm qualquer informação sobre o teatro que se fez no Porto antes do aparecimento das companhias profissionais, para além do que faziam as companhias históricas da cidade, o Teatro Experimental e a Seiva Trupe. Comentei este assunto muitas vezes, não só com os mais novos, e apercebi-me da existência de um grande desconhecimento do que tinham sido os grupos de teatro semiprofissional e do trabalho que desenvolveram na cidade nos anos 70 e 80 do século passado. Depois, houve um conjunto de desafios para falar sobre este tema. O mais significativo terá sido para uma comunicação em Lisboa a propósito de um ciclo de teatro do Porto que se realizou no Teatro S. Luiz, em 2011, onde fui publicamente convidado a escrever um artigo para a Revista Sinais de Cena. Fiz também duas conferências sobre o assunto, uma delas em Vila Nova de Gaia. Uns anos depois, creio que em 2016 ou início de 2017, já não estava no FITEI e começava a pensar em escrever o tal artigo há muito adiado e a entrevistar alguns dos integrantes desses grupos, fui ver a exposição “O Palco e a Cidade, Teatro no Porto 1850-1950”, na Casa do Infante, uma exposição muito interessante, mas que terminava a meio do século XX. Foi então que comecei a pensar num trabalho de maior folgo, que incluísse também uma exposição, no que fui muito incentivado pelo Carlos Costa, do grupo Visões Úteis, que comigo viu a exposição, e pela Luísa Marinho que, entretanto, eu tinha desafiado a trabalhar comigo na investigação e na escrita do artigo.

2-Na pesquisa realizada, que elementos relevantes encontrou e mais o surpreenderam?
R- Nas pesquisas e nas entrevistas realizadas não encontrei nada que me tivesse surpreendido, dado que eu conhecia muito bem – e por dentro – o movimento gerado por esses grupos. Conhecia também as semelhanças e diferenças entre eles, os processos criativos, os métodos de trabalho, as linhas estéticas, os posicionamentos ideológicos e aquilo que era um traço comum a todos: a necessidade de formação, de inovar, de experimentar e de se ligarem às comunidades. Talvez tenha sido um pouco surpreendente perceber que estes pontos comuns eram bem mais fortes do que os aspectos em que divergiam. Por isso, talvez o que mais me tenha surpreendido é o facto de não haver registo documental destes grupos. Foi a nossa maior dificuldade: nas bibliotecas públicas, nos centros de documentação e nos arquivos documentais existe muito pouca coisa e sobre alguns grupos rigorosamente nada. Os próprios grupos não tiveram o cuidado de preservar documentação para memória futura e, em alguns casos, nem os elementos que os constituíam têm alguma documentação. Dos dez grupos de teatro que seleccionámos, os que têm o acervo tratado são O Realejo, o Teatro d’Água Acesa e o Art’Imagem, que ainda está activo.  Eu tenho grande parte do arquivo do TAI e o restante está no arquivo do saudoso João Paulo Seara Cardoso. Encontrar material dos outros grupos foi mais complicado: um tinha uma coisa ali, outro tinha outra acolá. Ora como nós queríamos confirmar todos os dados, principalmente aqueles que nos eram dados a conhecer apenas pelas entrevistas – a memória é traiçoeira – tivemos de recorrer a outras fontes de informação, sendo a principal a Biblioteca do Museu do Teatro, em Lisboa, onde podemos consultar, entre outra documentação, as críticas de teatro publicadas na época e os roteiros das estreias e representações nacionais.

3-Em síntese, quais são os maiores impactos do teatro semiprofissicional na vida cultural do Porto durante aquelas duas décadas?
R- O livro, embora sendo apenas um relato do que aconteceu a nível de teatro semiprofissional no Porto numa determinada altura e não tendo, portanto, qualquer pretensão de ser um estudo, acaba por refletir um pouco sobre esse impacto. De facto, esse movimento que surgiu no Porto em simultâneo com o aparecimento do rock português e do movimento das performances – como lembra o pintor Albuquerque Mendes – modificou o panorama teatral na cidade entre meados dos anos 70 até ao final dos 80. Foram esses grupos que apresentaram na cidade, pela primeira vez, espectáculos que integravam novo circo em criações teatrais, espectáculos de café-teatro, de luz negra, de teatro para a infância e juventude – para os quais estudaram e convidaram encenadores de referência na área –, de teatro de rua, dignificaram o teatro de marionetas criando espectáculos de marionetas para adultos, trabalharam, estudaram e modernizaram a figura do clown. Isto, do ponto de vista de géneros teatrais apresentados, mas podemos também referir os processos de criação, como encenações colectivas, colagens de textos, criação textos próprios, integração de músicos como co-criadores do espectáculo e não apenas como autores ou executores de música ao vivo, procura permanente de frequentar acções de formação, trabalhar não só para as comunidades, mas com as comunidades. E, obviamente, devemos assinalar o conjunto de elementos que saíram desses grupos semiprofissionais e são hoje excelentes profissionais das artes cénicas, no Porto e não só.
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Mário Moutinho
O Teatro Semiprofissional no Porto (Arte, Activismo e Experimentalismo nos Anos 70 e 80)
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